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Foto de Guadalupe Ortiz de Landázuri.
Foto de Guadalupe Ortiz de Landázuri.| Foto: Flickr/Opus Dei Communications Office

Aqueles que acompanham esta coluna sabem que, com grande frequência, utilizo este espaço para refletir sobre o trabalho da imprensa. Costumo apontar condutas que, ao meu ver, colocam em xeque o brilho da profissão e contribuem para rebaixar a credibilidade da mídia. Não poucas vezes, procurei refletir sobre os desvios de alguns profissionais, que, contaminados pelo vírus da preguiça digital, trocam a rua e suas histórias incríveis pelas entrevistas telefônicas express ou por aqueles depoimentos obtidos por meio das redes sociais. O jornalismo é movido pelo extraordinário, pelo curioso, pelo episódio inusitado que, não poucas vezes, grita ao nosso lado. Mas para ouvi-lo é preciso descer à arena, ir ao combate à procura dos fatos que mereçam ser contados.

A vida felizmente é mais rica e, muitas vezes, aí, o espetacular não é definido unicamente pelos critérios de noticiabilidade. Ao nosso lado, todos os dias, transitam um incalculável número de heróis anônimos que, sem receberem uma fagulha da pirotecnia midiática, luzem por si só. Suas histórias permanecem ocultas, desconhecidas pelo grande público. Mas, ao seu redor a vida prospera. Sem que percebam, cumprindo com fidelidade seus compromissos cotidianos, tocam e, deixam por herança, algo realmente esplêndido.

A história de Guadalupe parece ganhar maior relevância num momento em que a bandeira do empoderamento feminino tremula alto

Esplêndida assim foi a vida de Guadalupe Ortiz de Landázuri, uma mulher que, movida pela consciência sobre o papel feminino na sociedade, colocou-se à frente de seu tempo. Fiel do Opus Dei falecida em 1975, ela é a primeira entre os membros leigos da Prelazia a subir aos altares. A cerimônia de beatificação ocorreu no dia 18, em Madri, sua cidade natal.

A história de Guadalupe parece-me ganhar maior relevância num momento em que a bandeira do empoderamento feminino tremula alto e ali, com razão, deve permanecer. Seu vigor vanguardista, a fez buscar novos desafios em ambientes geralmente pouco favoráveis. Na década de 1930, quando as vozes feministas ainda não ressoavam nas ruas da tradicionalíssima Europa, ela ingressou na universidade. Um projeto, em si, ousado, dado que, na época, as mulheres representavam apenas 14% do total de alunos matriculados em cursos superiores na Espanha. Mas o arrojo de Guadalupe foi além. Escolheu a graduação de Ciências Químicas quando mais da metade das estudantes optava pelo curso de Filosofia e Letras. Estava numa turma predominantemente masculina, na qual, dos 70 inscritos, apenas 5 eram mulheres. Finalizou o doutorado em 1965, foi docente, pesquisadora e catedrática.

Nessa época, quando a perspectiva da emancipação feminina causava estranheza e desconfiança em alguns, São Josemaría já sonhava e fazia sonhar com o dia em que as mulheres da prelazia estariam à frente de escolas agrícolas, onde se ensinariam ofícios às trabalhadoras do campo, de clínicas médicas, de editoras de livros, de instituições universitárias. Insistia também que a seção feminina do Opus Dei deveria ter autonomia para dirigir suas próprias iniciativas apostólicas.

Leia também: Por que precisamos de um Dia Internacional da Mulher (artigo de Mariela Moni Tozetto, publicado em 8 de março de 2019)

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Não há como negar que vivemos em um mundo doente. Construímos – você e eu – uma sociedade movida pela aparência, pelo postiço. O êxito pessoal passou a ser aferido pelo número de curtidas de uma postagem em rede social. Enaltecemos as grandes performances, condecoramos aqueles que atingem altos patamares de prestígio. Precisamos ser os melhores em tudo ou, pelo menos, aparentar ser os melhores, dissimular uma vida perfeita ao lado de pessoas perfeitas. E nunca tivemos rodeados de tanta depressão e angústia, de tanta amargura e desgosto. Gente de todas as idades atingidas pela praga moderna de uma vida sem sentido. Arrisco-me dizer que o remédio para a imensa maioria dos casos é aterrissar na vida real. É saudável entender que nossas jornadas não estão, nem nunca estarão, recheadas de momentos e feitos espetaculares. O amor ao ordinário nos abrirá o caminho para o extraordinário. Assim como fez Guadalupe.

Carlos Alberto Di Franco é jornalista.

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