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A Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou, em janeiro, o fim da epidemia de ebola na África. Em dois anos, a doença matou 11 mil pessoas, o que a fez ser considerada de grave letalidade. São números expressivos, condizentes com uma das mais preocupantes crises médicas da história recente do planeta. Ainda assim, num comparativo com outra causa de mortalidade, o quantitativo é módico. No período em que o ebola vitimou fatalmente 11 mil indivíduos em diversos países africanos, apenas aqui no Brasil morreram dez vezes mais pessoas em decorrência de outra epidemia, muito mais grave e antiga: a de homicídios.

Oficialmente, em 2013 o país bateu, pela quarta vez em cinco anos (2009 a 2013), seu recorde anual de mortes intencionais, alcançando a marca de 56.804 casos. Na média do período, as ocorrências aumentaram 2,6% a cada ano, o que nos permitiria considerar que, mesmo sem a divulgação dos números oficiais, também houve aumento nos anos posteriores (2014 e 2015). Ainda assim, como a área de segurança pública não comporta projeções, admita-se apenas que o quantitativo não sofreu alterações significativas – ou seja, que a cada ano seguem sendo assassinadas, aproximadamente, 56 mil pessoas no Brasil.

A epidemia de assassinatos brasileira é tratada como natural

Com lastro nesses moderados critérios, conclui-se que, no período em que o mundo se alarmava com as mortes causadas pelo ebola, montando uma força supranacional de combate à doença, os homicidas brasileiros tiraram nada menos do que 112 mil vidas. Dez vezes mais que o vírus.

A disparidade não fica só nos números. Enquanto o vírus africano despertou grande mobilização mundial, a epidemia de assassinatos brasileira é tratada como natural. Não há qualquer movimento efetivo voltado à redução desse quadro. Ao contrário, aqui, há muitos anos vem sendo aplicada uma mesma fórmula fracassada, determinada por uma ideologia progressista que insiste em encarar o fenômeno homicida exclusivamente como questão social e não criminal, como de fato é.

É dessa ideologia que surgem políticas públicas que vitimizam agressores e culpam as reais vítimas pelos ataques, não raro a elas atribuindo a “grave” conduta de atrair a atenção dos criminosos. É também por ela que se condena a repressão e se mantém uma infinidade de benefícios a bandidos, perpetuando a sensação de impunidade que retroalimenta um ciclo em que quem comete um crime não é efetivamente punido e, assim, segue delinquindo.

Os resultados não poderiam ser outros, pois os mesmos ingredientes, com um mesmo modo de preparo, não podem resultar num produto diferente. Seguimos aplicando placebo contra uma patologia grave, enquanto seu índice de letalidade bate sucessivos recordes, sem que nem sequer as atenções sejam para ela devidamente voltadas.

Neste momento, o país está envolto em uma nova emergência médica: o zika vírus e a tenebrosa microcefalia a ele associada. Já são milhares de casos notificados, com projeção de 20 mil ao fim do ano. Por causa desse quadro, alguns países estão emitindo alertas contra a vinda de turistas para cá. O protocolo é semelhante ao gerado pelo ebola.

Contudo, se há uma epidemia que deveria manter os cidadãos de outros países afastados do Brasil, ela deveria ser justamente a de homicídios. O maior risco que se corre por estas bandas é o de morrer assassinado. E é isso que deveria causar medo – até porque usar um repelente é bem mais simples que um colete à prova de balas.

Fabricio Rebelo, pesquisador em segurança pública, é assessor jurídico e coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes).
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