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| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

O Projeto de Lei 527/2017, proposto por deputados da base aliada do governo do Paraná e – conforme indicam investigações do Ministério Público – patrocinado pela já não mais tão poderosa Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep), acordou a sociedade civil para o risco que interesses individuais oferecem ao patrimônio natural do nosso estado. Mais do que isso: trouxe ao conhecimento da população a incrível beleza cênica e as potencialidades econômicas da região dos Campos Gerais.

A APA da Escarpa Devoniana é uma Área de Proteção Ambiental. Todas as APAs, assim definidas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), são terras especialmente protegidas, de uso sustentável, compostas necessariamente por terras públicas e privadas. Uma APA possui “certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas. Tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais”.

O Paraná deve continuar a pressionar seus deputados para garantir a manutenção dessa região única e bela

Em que pese a lei definir a inclusão de áreas particulares e ocupadas na composição de tal unidade de conservação – justamente para regular seu uso e garantir a conservação de seus atributos culturais –, a inoportuna intenção legislativa busca excluir de seu alcance os espaços ocupados.

As APAs brasileiras espelham o conceito dos Parcs Naturels Régionaux, da França, e dos Parques Naturais portugueses. Na França, país muito mais densamente povoado que o Brasil, 15% de sua superfície e 6% de sua população está em tais unidades de conservação. Em Portugal, a realidade não é muito diferente e a implantação das áreas é apontada como um dos motores que têm transformado a nação lusitana em potência turística na Europa. A condição garante a atratividade de regiões marcadas por peculiaridades regionais. O Douro – mais especificamente, o Vale Internacional do Douro – garante valor internacional à sua produção vinícola em mercados cada vez mais focados em valores da sustentabilidade por conta da responsável gestão dos seus recursos naturais, associados à produção de origem controlada. Na França, e ficando nos vinhos, os disputados Borgonha são produzidos na versão francesa de uma APA, bem como os famosos espumantes da região de Champagne.

Além da França e de Portugal, inúmeros outros países preveem áreas de conservação em que atributos naturais estejam associados a valores culturais e regionais. Esses arranjos, verdadeiros laboratórios de convivência entre o ser humano e a natureza, garantem à produção local uma vantagem frente a outros produtos similares, mas desvinculados de qualquer valor ambiental. Exemplos não faltam: do Napa Valley, na Califórnia, aos Lagos Plitvice, na Croácia. Do Vale do Maipo, no Chile, às áreas protegidas das Table Mountains na África do Sul, às Highlands escocesas. Assim, vinhos, frutas e hortaliças de procedência certificada e controlada ganham em competividade e asseguram a conservação do meio ambiente. Vende-se a produção usando como marca e propaganda a beleza e riqueza da natureza. Nesses locais, como aqui, a produção agrícola, desde que não nociva ao planeta, é incentivada e o agricultor, ciente das potencialidades de sua região, investe em produtos de altíssimo valor agregado. Acaba ganhando mais e de forma menos dependente das flutuações mercadológicas do que se produzisse commodities agrárias.

Leia também: Critérios factíveis para a APA da Escarpa (artigo de Ágide Meneguette, publicado em 14 de março de 2017)

Leia também:  A primavera e o líder do governo do Paraná (artigo de Átila Santana, publicado em 5 de outubro de 2017)

E o valor trazido da pela caracterização como APA aos proprietários de terras vai muito além da possibilidade de produção agrícola. A Nova Zelândia, nação insular que possui zoneamentos protetivos similares às brasileiras áreas de proteção ambiental, tornou-se referência nas locações cinematográficas, com seus vales, lagos e montanhas em produções multimilionárias como a trilogia O Senhor dos Anéis. Ainda na terra dos kiwis, o turismo de aventura e de natureza, promovido com a marca “100% Pura Nova Zelândia”, gerou US$ 12,9 bilhões diretos, respondendo por quase 21% de toda a entrada de exportações. Nos Estados Unidos, só a visitação aos parques nacionais gera, anualmente, US$ 32 bilhões. A Costa Rica, a Gold Coast e as Blue Mountains australianas, as Rochosas, Quebec e províncias do Atlântico canadense possuem regiões similares de encontro “civilização-natureza” e todos ganham com os frutos dessa doce e sustentável convivência.

Entretanto, aqui no Paraná corremos o risco de perder uma incrível oportunidade de receita. Os bitolados proponentes do projeto de lei que pretende mutilar 70% da APA da Escarpa Devoniana não conseguem vislumbrar ganho que não seja o trazido pela monocultura de pínus e pela soja encharcada de agrotóxicos. Não entendem que, ao nos firmarmos como exportadores de sol, terra e água para a China, abriremos mão de enormes potencialidades de ganho, principalmente na agricultura (repetimos: nada impede a produção agrícola na área de APA da Escarpa, desde que observados parâmetros mínimos de conservação ambiental), mas também no turismo e em outras indústrias vinculadas aos valores locais.

O Paraná deve continuar a pressionar seus deputados de forma a garantir a manutenção dessa região tão única e bela, que fala tanto de nosso passado, e que pode garantir oportunidades fantásticas ao nosso futuro.

Aristides Athayde, advogado, é vice-presidente do Observatório de Justiça e Conservação e fundador do Hub Verde.
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