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O mundo é bipolar, dividido entre socialistas e capitalistas. No Brasil, vivemos sob um regime de exceção, que persegue adversários políticos e controla a liberdade de imprensa. Lula é um líder popular, perseguido e preso por esse regime. Enquanto isso, no campo musical, Caetano Veloso e Chico Buarque são estandartes da resistência e grandes nomes da música popular brasileira. Trata-se da descrição da década de 1970. Porém, parte da esquerda acredita ser exatamente esse o cenário da atualidade.

Não bastou a queda do Muro de Berlim, tampouco os dados eloquentes sobre o fracasso das experiências socialistas ao redor do mundo. A “esquerda anos 70” ainda acredita que o nosso grande problema é o capitalismo. Já que a transição para o socialismo seria inviável através de uma revolução, essa esquerda apoia um Estado grande, provedor, nacionalista e interventor nos variados setores da economia.

Para cumprir seu intento, defende que o Estado transfira vultuosos recursos subsidiados para grandes empresários através de “bancos de desenvolvimento”, não admite debater os altos salários do funcionalismo e muito menos aumentar a abertura comercial do país. Para justificar suas opiniões, arvora-se em meias-verdades, ou inteiras-mentiras, como o uso de metade do orçamento federal para pagar a dívida pública e um aumento cavalar de impostos para os “mais ricos” que seria suficiente para erradicar nossos problemas fiscais.

Em relação ao último tópico, a esquerda anos 70 tem um entendimento restrito sobre os “mais ricos”. Segundo o IBGE, basta uma renda mensal pouco superior a 5 mil reais para estar entre os 10% mais ricos do país. Uma parte considerável dos apoiadores dessa esquerda estão no serviço público, o qual, de acordo com o Banco Mundial, concentra 83% dos 20% de brasileiros mais ricos. Como eles não admitem a condição privilegiada, delimitam o entendimento de “mais ricos” para o extremo topo da pirâmide social do Brasil.

A “esquerda anos 70” ainda acredita que o nosso grande problema é o capitalismo

Utilizam, como prova, um estudo da OXFAM, o qual apontou que seis brasileiros possuem o mesmo patrimônio que outros 100 milhões. Aí estaria a nossa grande injustiça social. Porém, usando os dados disponibilizados pela OXFAM e fazendo uma conta simples, se dividíssemos igualmente o patrimônio desses seis bilionários por toda a população brasileira, cada habitante do país levaria menos de 400 reais, o que representa menos de um salário mínimo.

Recentemente, um dos partidos apoiados pela esquerda anos 70 esteve por mais de treze anos no governo federal. Na primeira metade desse período, Lula comandou um governo que não seguia o receituário econômico apoiado por essa esquerda. O resultado foi exitoso, com grandes taxas de crescimento, redução do desemprego, da desigualdade e o uso de programas sociais focalizados. De quebra, ainda conseguiu reduzir o endividamento público e acumular reservas internacionais, batendo recordes de superávits primários ao longo dos anos.

Já na segunda metade, ao final do governo Lula e durante o governo Dilma, a esquerda anos 70 pode implementar suas ideias de Estado. O resultado foi catastrófico, com uma das maiores recessões da história do país, milhões de desempregados, inflação alta e aumento expressivo do endividamento público. Foram bilhões pelo ralo em empréstimos subsidiados a empresários amigos do governo e em desonerações fiscais feitas a torto e direito, sem metas e acompanhamento. Para conseguir manter o gasto público lá em cima, sem os mesmos níveis de receitas, o governo precisou utilizar os bancos públicos para financiar suas despesas, o que constitui crime fiscal e resultou no impeachment de Dilma Rousseff em 2016.

Ainda na esteira desse capitalismo de compadrio, foram desvendados esquemas de corrupção que envolviam a elite política e empresarial do país. As benesses estatais e licitações dirigidas eram trocadas por propinas pagas a lideranças políticas. Uma delas, o ex-presidente Lula, foi processado diversas vezes e já condenado em uma delas na segunda instância. Conforme manda a regra atual, foi preso, seguindo as etapas de um processo criminal comum.

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Entretanto, para a esquerda anos 70, nada disso aconteceu. O impeachment de Dilma Rousseff foi um golpe, orquestrado por interesses internacionais, que queriam levar nossas riquezas naturais, como o petróleo. A condenação de Lula, sem provas, seria uma parte desse golpe, para evitar que o “líder esquerdista” retorne ao governo e reverta a política econômica capitaneada pelo atual governo, presidido por Temer, o qual também seria responsável pela grande recessão no país, construída para propiciar o clima ideal para o golpe e aprofundada após sua ascensão à Presidência.

A esquerda anos 70 ignora o fato de Lula ter tido uma equipe econômica ortodoxa em grande parte de seu governo, ignora provas e depoimentos obtidos na Operação Lava Jato. Também ignora o fato de, após a reeleição, Dilma ter iniciado o processo de ajuste fiscal, as discussões sobre a reforma da Previdência (inclusive, o ex-ministro Nelson Barbosa escreveu artigo requisitando a paternidade da proposta) e o debate em torno de uma espécie de teto para as despesas públicas, através do PLP 257, enviado pouco antes do impeachment. Ao contrário, prefere colocar tudo dentro de uma teoria da conspiração, que nos remetem ao auge da Guerra Fria.

Portanto, a esquerda anos 70 usa os mais pobres, e quando não as minorias em geral, para defender seus próprios privilégios e suas lideranças políticas. Acredita (ou finge acreditar) que vivemos em um mundo dividido entre capitalismo e socialismo, mesmo com o último superado há quase 30 anos. Ainda tem muita influência, por conta da elite intelectual que a compõe e lideranças políticas que possuem carisma e prestígio eleitoral. Porém cada vez mais, é um grupo restrito, como são as plateias nos shows de Chico Buarque e Caetano Veloso. Outrora expoentes da música popular brasileira, hoje realizam apresentações com ingressos caros, possibilitando apenas a um setor selecionado da sociedade comparecer aos seus shows. E sabemos quem está nesse setor.

Victor Oliveira é mestrando em Instituições, Organizações e Trabalho no departamento de Engenharia de Produção da UFSCar.
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