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Cartelas de remédios
Cartelas de remédios| Foto: Pixabay

O estado do Paraná, na contramão de outros governos, quer cobrar ICMS em substituição tributária nas operações com medicamentos, sabidamente indevido. Por meio de comunicado aos contribuintes, enviou relação das operações com produtos bonificados que entende ser devida a tributação, sob o argumento de que as farmácias são responsáveis solidárias pelo recolhimento.

Alguns pontos merecem atenção, dentre eles o momento vivido pela sociedade brasileira e paranaense. Supondo que o Paraná tivesse razão em realizar essa cobrança, o que é discutível, verifica-se uma insensibilidade total por parte do fisco paranaense, pois momento mais inoportuno não há, considerando todos os problemas trazidos pelo novo coronavírus, que está causando um enorme estrago social e econômico, levando muitas empresas a pedirem recuperação judicial ou falência, ou simplesmente fecharem as portas.

Outro ponto a ser levado em consideração, é a questão da incidência ou não de ICMS nas operações com produtos bonificados. A bonificação é uma política de vendas amplamente utilizada por diversos setores da economia, consistindo na entrega de produtos sem a devida cobrança, desde que seja realizada de forma incondicional. Assim, um fornecedor vende, por exemplo, 5 unidades de determinado produto, entregando sem cobrança mais 5 unidades, reduzindo o preço médio de aquisição do adquirente.

A jurisprudência dos tribunais, há muito tempo, entende que essa operação não deve ser tributada com ICMS, pois a bonificação se assemelha a um desconto no preço, de forma incondicional, inexistindo operação mercantil nesse caso. Desta forma, se não há incidência de ICMS, também não pode ser exigido ICMS-ST, pois as unidades que foram vendidas já contemplavam a incidência das unidades bonificadas ao serem vendidas por um valor mais elevado.

No caso de operações com medicamentos, essa lógica acaba sofrendo certa distorção, pois a base de cálculo do ICM-ST é um preço referenciado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), autarquia da Anvisa, que estipula um Preço Máximo de Venda a Consumidor (PMC), o qual é utilizado para realizar o cálculo do ICMS-ST. Nesse caso, o preço maior das unidades vendidas acaba não compensado a não incidência do ICMS nos produtos bonificados.

Quanto ao PMC, este possui vícios em sua formação, estando totalmente descolado dos preços praticados pelo mercado, com valores superdimensionados, representando, em alguns casos, mais de 5 vezes o preço praticado a consumidor final pela farmácia. Tal situação leva ao confisco, pois o ICMS-ST chega a ser maior que o valor das mercadorias vendidas. Como exemplo podemos citar o medicamento Aciclovir, cujo PMC é de R$ 111,88, sendo vendido por farmácias ao preço de R$ 19,90.

Em relação aos comunicados enviados às farmácias para que procedam a autorregularização, além de indevidas sob a ótica da bonificação, deveriam ser realizadas utilizando-se o PMC como base de cálculo para o recolhimento do ICMS-ST, exigindo dos contribuintes um tributo confiscatório, especialmente quando se trata de medicamentos genéricos e similares. Mesmo sabendo desta ilegalidade, e do momento pelo qual a sociedade e a economia está passando, o fisco paranaense quer cobrar o ICMS-ST nessas operações, infringindo a Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 150, inciso IV, determina que é vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, utilizar tributo com efeito de confisco.

Tal conduta é considerada como excesso de exação, tipificada no Código Penal brasileiro em seu artigo 316, parágrafo 1.º, tendo pena de reclusão de dois a doze anos, mais multa.

Um último ponto a ser abordado, refere-se à responsabilidade solidária do adquirente de produtos sujeitos à substituição tributária. A jurisprudência dos tribunais superiores afasta esta solidariedade, determinando que o adquirente, no caso a farmácia, não possui relação jurídico-tributária com a operação, sendo o único sujeito passivo da obrigação tributária o substituto, e não o substituído. Mesmo não havendo a possibilidade de realizar a cobrança diretamente das farmácias, o fisco paranaense tenta, de forma ilegal e equivocada, atribuir a estas uma responsabilidade que não é devida.

Neste caso, da responsabilidade tributária por substituição, o contribuinte natural (farmácia) é esquecido, assumindo o seu lugar o substituto (distribuidor), não sendo aquele sujeito passivo da obrigação, pois o legislador optou por substituí-lo, e qualquer cobrança a ele direcionada é indevida.

Em síntese, as cobranças que o estado do Paraná tenta realizar contra as farmácias está eivada de ilegalidades e inconstitucionalidades, seja quanto a utilização do PMC como base de cálculo do ICMS-ST, seja pela não incidência nas operações bonificadas, bem como pela ausência de responsabilidade solidária. Incorre em crime de excesso de exação, colocando o contribuinte em situação delicada, podendo inviabilizar uma quantidade significativa de empresas, bem como deixando milhares de pessoas desempregadas. Age o estado do Paraná, neste caso, como inimigo da sociedade civil e dos contribuintes.

Alcides Wilhelm, advogado e mestre em Direito Empresarial e Cidadania.

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