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Exportar emprego de qualidade não pode ser visto como algo natural. Está mais do que na hora de o governo e de o setor produtivo brasileiro juntarem forças para construir um ambiente de negócios competitivo e gerador de emprego

A Vulcabras/Azaleia, maior empresa do setor de calçados do país e detentora de marcas líderes no mercado nacional, como a Olympikus, anunciou recentemente a decisão de deslocar parte de sua produção para a Índia, seguindo uma tendência já apontada por outras grandes empresas do setor de calçados e da indústria, em geral. O resultado imediato dessa medida é que aproximadamente 8 mil empregos diretos e indiretos serão criados na Índia e não no Brasil.

De acordo com o diretor/presidente da empresa, Milton Cardoso, a decisão de deslocar a produção é fruto essencialmente da combinação de dois fatores: da elevada carga tributária brasileira, sobretudo da incidente sobre a folha de pagamento, e da forte valorização ocorrida no Real ao longo dos últimos anos.

A questão tributária é antiga e pouco ou quase nada tem sido feito nessa matéria no país. Entra governo, sai governo e a realização de uma reforma com redução e racionalização da carga tributária permanece no campo do discurso e das boas intenções. Só para ilustrar, no Brasil a carga tributária bruta atinge 35% do PIB. Na Índia, é de 12,1%, e nos países da América Latina é, em média, de 20% do produto. Além de elevada, a carga tributária brasileira apresenta outra característica problemática: incide fortemente sobre a atividade produtiva, desestimulando-a. A promessa da então candidata Dilma Rousseff de reduzir a tributação incidente sobre a folha de pagamento precisa sair do papel e tornar-se, finalmente, uma realidade.

A valorização do real é outro elemento apontado como responsável pela decisão da empresa. Esse processo é o resultado de um amplo conjunto de fatores. No atual cenário internacional, com preços elevados das commodities e intensos fluxos de capitais (produtivos e especulativos) para os países emergentes, a capacidade do governo brasileiro de conter esse processo de valorização é, na melhor das hipóteses, limitada. A elevação das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para capitais estrangeiros em aplicações de renda fixa é bem-vinda, mas tem efeito reduzido na contenção da valorização da moeda.

Além das questões tributária e cambial, apontadas como predominantes para a decisão da Vulcabras/Azaleia, outros elementos que formam o ambiente de negócios do país devem ser discutidos. As deficiências da infraestrutura, as fragilidades das condições de logística, a escassez de mão de obra qualificada, o elevado custo do capital para a realização de investimentos e a excessiva burocracia que incide sobre as atividades empresariais são fatores que aparecem nas principais listas de limitadores para o desenvolvimento competitivo do país.

Infelizmente, ainda existem analistas que insistem na ideia de que uma economia continental com 190 milhões de pessoas e profundos desequilíbrios sociais como o Brasil possa passivamente substituir sua base produtiva industrial pela geração de renda associada a produção de commodities, cujas vantagens comparativas naturais são inegáveis. Esquecem apenas de levar em consideração, entre outros fatores, o impacto social da redução do emprego na atual estrutura urbana-industrial brasileira e que a produção de commodities, ainda que eficiente na geração de renda e de divisas, é incapaz de gerar emprego em volume e na qualidade necessárias para uma economia com as nossas características socioeconômicas. Exportar emprego de qualidade não pode ser visto como algo natural. Está mais do que na hora de o governo e de o setor produtivo brasileiro juntarem forças para construir um ambiente de negócios competitivo e gerador de emprego.

Marcelo Curado, vice-diretor do Setor de Ciências Sociais Aplicadas da UFPR, é pesquisador do programa: "Cátedras para o Desenvolvimento" do IPEA. Email:curado@ufpr.br

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