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| Foto: Jose Cruz/Agência Brasil

Fake news” significa “notícias falsas”, em tradução literal do inglês. Trata-se de informações criadas que não representam a realidade, mas que são compartilhadas na internet como se fossem verídicas. As fake news ganharam grande relevância no cenário nacional e mundial com a popularização das redes sociais e programas de troca de mensagens instantâneas, fato este aliado à mudança de hábitos das pessoas, que utilizam cada vez mais a internet no dia a dia.

Desde a última eleição para a presidência dos Estados Unidos, em 2016, o debate sobre a influência das fake news na opinião popular, em especial no cenário político, ganhou contornos especiais, visto que posteriormente a Justiça norte-americana denunciou cidadãos russos acusados de espalhar fake news com vistas a atrapalhar a candidatura da principal concorrente do atual presidente do país, Donald Trump. Na denúncia há sérios indícios de manipulação do voto popular através de divulgação de notícias inverídicas que culminaram na escolha do atual presidente, sendo corroborado pelo fato de a candidata, Hillary Clinton, ter sido apontada até os últimos momentos da eleição como candidata vencedora, segundo as pesquisas eleitorais.

No Brasil, a divulgação de notícias falsas com o objetivo de denegrir a imagem de adversários políticos e influenciar a opinião pública já é utilizada há tempos, mas, com a massificação da internet, o problema se agravou e tornou-se uma séria preocupação para que tal prática não ameace o resultado da votação com a manipulação dos eleitores para obtenção de votos, o que é uma prática vedada pela legislação e em total afronta aos princípios constitucionais.

Diante da grave e urgente situação, a Justiça Eleitoral publicou a Resolução 23.551/2017, disciplinando as regras sobre a propaganda eleitoral, utilização e geração do horário gratuito e condutas ilícitas em campanha eleitoral nas eleições de 2018, e na qual facilmente se percebe a preocupação em combater as fake news.

No Brasil, a divulgação de notícias falsas com o objetivo de denegrir a imagem de adversários políticos e influenciar a opinião pública já é utilizada há tempos

Antes de adentrar nas especificidades da resolução, é necessário pontuar quais são as leis vigentes no país que tratam sobre os crimes eleitorais e que podem ser utilizadas para o combate às fake news. Primeiramente, a Lei 9.504/97 (Lei das Eleições), em seu artigo 57-H, trata como crime a contratação direta ou indireta de grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação; a lei ainda considera que as pessoas contratadas para esse fim também incorrem em crime. Nesses casos, o contratante é punido com pena de detenção de dois a quatro anos e multa de R$ 15 mil a R$ 50 mil; as pessoas contratadas podem vir a ser condenadas à pena de detenção de seis meses a um ano, com alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa de R$ 5 mil a R$ 30 mil.

Ocorre que este dispositivo legal somente configura o ilícito penal se houver a contratação onerosa ou gratuita de terceiros; se alguém divulgar por conta própria a notícia, não estará incurso no crime ali previsto, o que certamente dificulta a aplicação da lei. Há também menção a crimes eleitorais que podem ser enquadrados nas fake news na Lei 4.737/65 (Código Eleitoral). Nesta lei há disposições legais que poderiam, em tese, punir pessoas ligadas às fake news, mas, como nestes casos os crimes trazem disposição expressa sobre a necessidade de o crime ser cometido “na propaganda eleitoral”, mais uma vez a aplicação da lei torna-se difícil no contexto atual.

Portanto, pela análise da legislação vigente percebe-se que os crimes previstos na legislação não servem para punir com efetividade os envolvidos na criação e propagação das fake news, sendo necessária a revisão das leis com o objetivo de dar maior efetividade a seu combate. Com o intuito de amenizar a atual situação e tornar possível a aplicação de medidas judiciais com vistas a coibir a criação e propagação das fake news, o Tribunal Superior Eleitoral publicou a Resolução 23.551/2017, que, apesar de não solucionar o problema, tem o objetivo de mitigá-lo até que tenhamos uma legislação apta a abarcar as diversas situações que o problema demanda.

A resolução traz, em seu artigo 33, a possibilidade de remoção de conteúdo na internet, situação esta apta a combater as fake news. Assim, para que o ofendido possa se valer da remoção de conteúdo impróprio, o texto da resolução deixa claro que a remoção deve tratar de violações às regras eleitorais e deverá se dar com a menor interferência possível no debate democrático, com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, devendo ser efetivada somente mediante decisão judicial devidamente fundamentada. Tal dispositivo ainda impõe que a ordem judicial deve fixar prazo razoável para remoção, não inferior a 24 horas, sendo possível diminuí-lo em circunstâncias excepcionais.

Leia também: O poder do jornalismo contra as fake news (artigo de Luciana Sálvaro, publicado em 10 de fevereiro de 2018)

Leia também: Que desafios as fake news impõem ao jornalismo e à política? (artigo de Jamil Marques, publicado em 2 de maio de 2018)

O mesmo artigo 33 ainda impõe sanção ao provedor de internet que não cumprir a ordem judicial no prazo fixado pela ordem judicial, podendo ser fixada multa para descumprimento que será revertida em favor da União, bem como outras medidas coercitivas. As ordens judiciais de remoção dos conteúdos proferidas nos termos da resolução somente produzirão efeitos até o fim do período eleitoral e, caso o interessado pela remoção pretenda a continuidade da remoção do conteúdo, o mesmo deve promover as medidas judiciais cabíveis na Justiça comum, quando então serão aplicadas as regras legais dispostas no Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014).

Caso o provedor de internet não cumpra a ordem judicial, o artigo 31 da resolução autoriza que seja suspenso o acesso de todo o conteúdo do provedor pelo prazo máximo de 24 horas, devendo o prazo da suspensão ser definido pelo número de horas proporcionalmente à gravidade da infração cometida, podendo ser duplicado o prazo em caso de reiteração, mas sempre respeitado o prazo máximo de 24 horas. Caso seja efetivada a suspensão do conteúdo do provedor, o mesmo deverá informar todos os usuários que tentarem acessá-lo que o conteúdo está temporariamente indisponível por desobediência à legislação eleitoral.

Há ainda instrumentos disciplinados na legislação vigente hábeis para que o ofendido possa requerer a disponibilização dos dados do infrator e responsável pelas fake news, no intuito de descobrir o responsável pelo ilícito, com fundamento no artigo 57-J da Lei das Eleições, combinado com o artigo 22 do Marco Civil da Internet. Mas, para que haja a quebra do sigilo das informações e esta seja válida, o artigo 35, §3.º, da resolução impõe a comprovação de alguns requisitos perante o juiz eleitoral: fundados indícios da ocorrência do ilícito de natureza eleitoral; justificativa motivada da utilidade dos dados solicitados para fins de investigação ou instrução probatória; e período ao qual se referem os registros.

Apesar dos esforços do TSE e da legislação vigente, tais ferramentas não são suficientes para coibir a prática das fake news

Apesar dos esforços do TSE e da legislação vigente, tais ferramentas não são suficientes para coibir a prática das fake news, seja pela falta de disposições legais atualizadas, seja pelas inovações tecnológicas que dificultam cada vez mais a identificação dos infratores. Recentemente, levantamento do Conselho de Comunicação Social (CSS) do Congresso Nacional demonstrou que existem em trâmite 14 projetos de lei, 13 na Câmara dos Deputados e um no Senado, que versam sobre a criminalização das fake news, prevendo penalidades que variam de multas de R$ 1,5 mil até oito anos de prisão para quem divulgar fake news.

Apesar de ser necessária a regulamentação da matéria e a aprovação de projetos de lei em trâmite no Brasil, especialistas principalmente ligados à área do Direito Constitucional e Civil alertam que a criminalização de situações como estas podem colidir diretamente com direitos e garantias constitucionalmente previstos (verdadeiros princípios constitucionais) referentes à liberdade de opinião, à livre manifestação e à liberdade de imprensa.

A preocupação sobre a criminalização das fake news e o confronto com direitos assegurados dos cidadãos é tamanha que, em 25 de junho, foi publicada no Diário Oficial da União a Recomendação 4/2018 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, com indicações sobre as medidas de combate às fake news e a garantia do direito à liberdade de expressão, na qual constam diretrizes sugeridas ao Congresso Nacional, Tribunal Superior Eleitoral, Poder Executivo federal e estadual e plataformas de internet privadas, com vistas a garantir o direito à liberdade de expressão ao mesmo tempo em que se combate as fake news, dentro de um parâmetro razoável e com padrões seguidos pela ONU, justificando que tais medidas são necessárias em especial porque alguns países têm adotado medidas temerárias sob o pretexto de coibir as fake news, quando na verdade restringem o direito à informação e à liberdade de expressão.

Luís Eduardo Mascarenhas Sfier e Gustavo Athayde são advogados.
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