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A era Kadafi terminou formalmente, o tirano está escondido, poderá ser liquidado a qualquer momento. A Líbia, porém, continua como angus­­­tiante incógnita num cenário mundial muito mais explosivo do que quando começou o levante

Kadafi derrubado, a Era Kaddafi não terminou: o banho de sangue deve ampliar-se. Tal como aconteceu com outro déspota, parceiro do "Eixo do Mal", Saddam Hussein: preso em 2003, enforcado em 2006 e, não obstante, o Iraque permanece mergulhado no terror.

O atentado suicida desta sexta-feira em Abuja, capital da Nigéria, contra o edifício-sede da ONU nos remete diretamente à outra ação terrorista contra a mesma ONU em Bagdá, 2003, em seguida à derrubada de Saddam, que tirou a vida do diplomata brasileiro, Sérgio Vieira de Mello.

Semelhança não significa simetria, os espelhos da história geralmente embaçam com o tempo transformando em caricatura as repetições forçadas. Mas as estratégias bélicas (ou terroristas) seguem a lógica do sucesso: deu certo uma vez, dará certo outras. O novo ataque contra a ONU (o quinto desde o 11 de Setembro de 2011) sugere o deslocamento do "Eixo do Mal" do Magreb, norte da África, para o coração do continente, oitavo país mais populoso do mundo, riquíssimo em petróleo e banhado pelo Atlântico.

Quando a revolta contra Kadafi começou a alastrar-se (em 16/17 de fevereiro), o déspota denunciou os fundamentalistas islâmicos como responsáveis pelo levante. Analistas não o levaram a sério, preferiram classificar a acusação como mais um dos truques histriônicos do malabarista líbio. Mais árabe do que maometano, Kadafi tomou o poder junto com outros oficiais nacionalistas e seculares, na linha do guru egípcio, o coronel Gamal Abdel Nasser.

Se estava certo não se sabe, mas é inegável que os rebeldes vitoriosos nas fotos tomadas em Benghazi e Trípoli usam a farta barba islâmica, diferentemente dos rebeldes ocidentalizados da Praça Tahrir, Cairo. A autoria do ataque à sede da ONU em Abuja foi assumida pelo grupo extremista islâmico, Boko Haram, identificado com a pregação da Al-Qaeda e a implantação no país da Shariah, o código legal muçulmano. Não estão solidários com Kadafi, estão apenas mandando um recado global: Bin Laden está morto, a Al-Qaeda está viva, mais do que nunca.

Em outras palavras: o mundo deveria continuar insone. A era Kadafi terminou formalmente, o tirano está escondido, poderá ser liquidado a qualquer momento. A Líbia, porém, continua como angustiante incógnita num cenário mundial muito mais explosivo do que quando começou o levante.

O formidável dilúvio informativo propiciado pelas novas tecnologias (e respectivos modismos) trouxe como corolário um impulso para aplacar os picos de estresse. Sustos são anunciados, mas não se sustentam. Deveriam: a crise econômica iniciada em 2008 está apenas disfarçada pela dramatização da gangorra especulativa das bolsas. A intranquilidade social e política inexistente há três anos, agora é incontestável. Concreta. Neste momento, a Europa mais intranquila está justamente na outra margem do Mediterrâneo. Mares e oceanos já não evitam contágios.

Os tiros que iniciaram o pavoroso ciclo de guerras mundiais foram disparados em 28 de junho de 1914, em Sarajevo, por uma pequena pistola Browning acionada pelo jovem terrorista sérvio, Gavrilo Princip, que odiava o império austro-húngaro. Atentado insignificante se a vítima não fosse o príncipe-herdeiro e sua mulher. Menos de 100 anos e cerca de 100 milhões de mortos depois continuamos vulneráveis aos delírios individuais.

A era Kadafi apenas mudou de nome.

Alberto Dines é jornalista.

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