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Felipe Lima

O ministro da Cultura, Roberto Freire, prepara mudanças na Lei Federal 8.313/91, a Lei Rouanet, existente há 25 anos e que fomenta a cultura por meio do Imposto de Renda. O setor cultural enfrenta uma de suas maiores crises, que se deve tanto à recessão que o país atravessa quanto ao desgaste da própria Lei Rouanet, com ações da Polícia Federal e CPI no Congresso Nacional, além de recomendações do TCU para coibir abusos. As mudanças têm por base três questões relevantes.

A primeira implica em limitar os valores dos projetos a fim de impedir que produções de maior envergadura e apelo midiático concentrem investimentos. A limitação é benéfica, mas deve atentar para o papel das organizações sem fins lucrativos que, por meio de planos anuais, mantêm orquestras, museus e programas formativos de grande importância. Além disso, seria importantíssima a imediata regulamentação do Ficart, mecanismo disposto na lei, que funcionaria como um fundo privado operado por bancos e destinado ao “show business”. Por meio dele, produtores passariam a operar em um modelo menos público e mais privado.

Não vejo razão para o Ministério da Cultura lançar editais. Esta tarefa deveria ser dos municípios

Na outra ponta, como forma de equilibrar a cultura em todo o território nacional, propõe-se desconcentrar os recursos, hoje aplicados nas regiões Sul e Sudeste. O fato é que a presença das maiores empresas nessas regiões replica o que acontece com o PIB nacional. Uma alternativa seria aumentar o porcentual de patrocínio utilizado por pequenas empresas, bem como possibilitar uso por parte daquelas tributadas sob lucro presumido. Ou, ainda, aplicar porcentuais maiores por parte dos doadores pessoas físicas, que estão em todo o país. Tais medidas, todavia, demandam alterações no corpo da lei e a proposta de Freire se dá por meio de instrução normativa. Uma saída seria possibilitar a doação de pessoas físicas no momento da declaração de renda, a exemplo do que ocorre com o Fundo da Criança e do Adolescente, abrindo ainda a possibilidade de que essa doação ocorra tanto para projetos culturais quanto aos Fundos Municipais de Cultura, já que a terceira proposta visa fortalecer o Fundo Nacional de Cultura.

A ideia é que o FNC chegue rapidamente aos Fundos Municipais, o que é muito bom. Não vejo razão para o Ministério da Cultura lançar editais. Esta tarefa deveria ser prioritariamente dos municípios, que conhecem suas prioridades. Outra vantagem desses repasses é que, assim como no modelo americano (o National Endowment for the Arts), eles têm um dispositivo em que, para cada real investido, os municípios devam contribuir com outro, o que favorece um pacto federativo. Entendo ainda que seria importante garantir um porcentual do FNC que alimente as entidades vinculadas ao MinC. Por meio dos “termos de parceria” presentes na Lei Federal 13.019/14, as vinculadas teriam o papel de financiar os grandes teatros, museus, orquestras, festivais e corpos estáveis brasileiros. Seria uma forma de atuarem com maior relevância, assim como a Ancine, que responde pelo audiovisual; para isso, seria fundamental a completa destinação dos 3% das loterias federais previstos em lei para o FNC.

Enquanto o ministro propõe alterações que visam corrigir distorções históricas, parlamentares aprovam a Lei 13.364/16, que eleva rodeios e até mesmo a vaquejada à condição de patrimônio imaterial, abrindo a possibilidade de captação de recursos incentiváveis. Lamentável!

Corrigir distorções e desvincular a imagem de que a Rouanet financia quem não precisa é urgente e passa pelo reconhecimento da cultura como eixo de transformação social e educacional. Mas infelizmente essa urgência parece não encontrar eco no Congresso Nacional, onde parte dos ilustríssimos parece atuar em um espetáculo de teatro escrito por Eugène Ionesco, dramaturgo e pai do teatro do absurdo.

Marino Galvão Jr., ator, diretor e produtor, é mestre em Gestão do Espetáculo pela Universidade Bocconi de Milão e pela Academia do Teatro Scala de Milão.
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