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Future-se: um novo e necessário modelo para as universidades públicas
| Foto: Marcos Tavares/Thapcom

As interações universidade-indústria-governo, que formam uma “hélice tríplice” de inovação e empreendedorismo, são há bastante tempo utilizadas nos Estados Unidos, na Inglaterra e em outros países da Europa, onde se constituem como chave para o crescimento econômico e o desenvolvimento social baseados no conhecimento. Mas sabe-se que algumas de nossas universidades públicas têm grande dificuldade com respeito à sua aproximação com o setor produtivo e com os governos, pois receiam com isso perder a chamada “autonomia universitária”.

Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro criou o Future-se: Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras. Quem lê o texto do Future-se o percebe como um programa inovador, em sintonia com o que há de mais atual em governança, tendo por propósito modernizar a gestão e solucionar a crise orçamentária das universidades federais do país.

O Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), todavia, critica o programa, questionando o porquê de não ter sido consultado. Acontece que o projeto foi enviado a consulta pública até o dia 7 de agosto, e as propostas recebidas serão analisadas e reunidas até o dia 21 deste mês; só então o texto final será enviado ao Congresso.

É necessário que tenhamos no Brasil novos modelos para a gestão de nossas universidades públicas

Segundo o Ministério da Educação (MEC), o Future-se trabalhará com a criação de fundos de investimentos no valor de aproximadamente R$ 100 bilhões, a serem constituídos com recursos obtidos pela alienação de imóveis da União e por meio de contratos de gestão com organizações sociais – que terão o direito também de atuar na administração de recursos e patrimônio das instituições. Além disso, haverá encorajamento à busca por recursos privados. Em troca destes investimentos, o programa possibilitará a utilização econômica do espaço público e a permissão de renomear campi e edifícios das instituições de ensino em homenagem aos investidores – exatamente como é feito em países desenvolvidos.

Enquanto os países do dito primeiro mundo associam-se e recebem uma grande quantidade de recursos adicionais do setor privado, a coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa das Universidades Federais, deputada Margarida Salomão (PT-MG), diz que “a tradição de formação de decisões em uma comunidade com as características da sociedade universitária repele a razão empresarial”. Isso mostra como estamos vivendo um período de insana instabilidade, em que qualquer boa iniciativa proposta pelo governo federal passa a ser severamente criticada pelas universidades públicas e pela grande mídia, que parecem não desejar propostas concretas, embora clamem pelo estabelecimento de diálogo, debates e discussões infindáveis.

Segundo publicação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) de 2018, a liderança no ranking brasileiro de patentes geradas por instituições de pesquisa e ensino superior ficou com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com 77 depósitos. No mesmo período, segundo a National Academy of Inventors (NAI) e a Intellectual Property Owners Association (IPO), a Universidade da Califórnia obteve 526 patentes; o Massachusetts Institute of Technology (MIT), 304; a Universidade de Stanford, 226; o Harvard College, 137; e a Universidade Johns Hopkins, 132. Todas essas instituições americanas associam-se a governos e ao setor privado. É, portanto, necessário que tenhamos no Brasil novos modelos para a gestão de nossas universidades públicas, a fim de que seus resultados sejam cada vez mais voltados ao bem da população.

Como já tive a ocasião de escrever, aqui na Gazeta do Povo, “o aumento da consciência sobre a necessidade de transferir à sociedade os resultados da pesquisa e desenvolvimento financiados com recursos públicos ainda não tem sido acompanhado de ações concretas. Faltam medidas para viabilizar essa transferência de conhecimento, o que levaria à absorção, pelos demais atores, do que é gerado na universidade. Tal cenário agrava-se pela carência de canais, institucionais ou não, de intercâmbio entre esses agentes, o que acaba acentuando a desvinculação entre a oferta e a demanda, acarretando desperdício de conhecimentos e tecnologias com possível interesse público, social ou econômico”.

O Future-se deve ser analisado com a devida isenção política e sem exaltação de ânimos. Entre outros benefícios, esse programa é um excelente mecanismo para promoção da hélice tríplice.

Marcos de Lacerda Pessoa, engenheiro, Ph.D. pela Universidade de Birmingham (Inglaterra) e pós-doutor em Engenharia pelo MIT, é autor de Sementeira de Inovação, organizador e editor de Pinceladas de Inovação e proprietário do centro de apoio à inovação futuri9.com.

Nota da redação: na edição impressa de 10 de agosto de 2019, a frase "a tradição de formação de decisões em uma comunidade com as características da sociedade universitária repele a razão empresarial" apareceu atribuída ao Confies.

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