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Sala de aula
| Foto: Hedeson Alves/AEN

O dilema acerca da não reprovação ou aprovação automática nas escolas e universidades vem assombrando pais, professores e responsáveis técnicos. Em parecer, o Conselho Nacional de Educação, órgão do Ministério da Educação, recomendou "a revisão dos métodos de avaliação para minimizar as retenções já que os estudantes não poderiam ser ainda mais penalizados no pós pandemia".

E de fato os estudantes, assim como grande parte da população do mundo todo, sofreu e ainda sofre com a pandemia. Seria justo manter os mesmos padrões de avaliação para todas as crianças e jovens estudantes?

Há vários fatores que devem ser ponderados, o primeiro deles, sem dúvida, é o acesso à rede mundial de computadores, forma pela qual professores e alunos passaram a se comunicar, ministrar as aulas e manter o contato com os estudantes.

Nem precisaríamos aqui ressaltar que somente uma parte privilegiada dos estudantes tem acesso à internet de qualidade e possuem computadores ou celulares adequados que os permitem acompanhar as aulas e realizar as atividades solicitadas.

Ainda que vivêssemos em um país ideal, onde cada estudante possuísse seu próprio computador, e que houvesse distribuição gratuita de sinal de Wi-Fi, quais são as circunstâncias desses alunos nas suas residências? Também aqui não precisaríamos lembrar que grande parcela da população brasileira vive em casas bastante modestas e com um número grande de pessoas, o que gera conflitos e desgaste no dia a dia, sem falar nas questões envolvendo violência e dependência química. Será que podemos afirmar que nossas crianças e nossos jovens tiveram tranquilidade e ambiente propício para acompanhar as aulas?

Certamente as crianças e os jovens de famílias privilegiadas, e também aquelas cujos pais e avós conquistaram as redes sociais demonstrando absoluta criatividade para propiciar que seus queridos continuassem a estudar e não fossem prejudicados pelos efeitos colaterais da pandemia, tiveram as condições adequadas. Mas esses alunos… bem, esses certamente atingiram as médias suficientes para conquistar a aprovação!

A Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro reestruturou, por meio de Resolução publicada no Diário da União no último dia 14, todo ano letivo das escolas estaduais do Ensino Fundamental e Ensino Médio incluindo os alunos em um “ciclo de aprendizagem” no qual, independentemente da nota, haverá aprovação.

Por óbvio nem todos os alunos terão aprofundado seu ciclo de aprendizagem, mas outros aspectos e valores foram levados em consideração, como a integridade psicológica e o sentimento de pertencimento para com as instituições.

É interessante pensar que a escola não significa tão somente o acúmulo de conhecimento técnico, ela é muito mais do que isso, ela é a identidade do estudante. Nas palavras de Bell Hooks, as salas de aula são os espaços participativos para a partilha de conhecimento. Para ela, a educação é uma prática de liberdade, que liga a vontade de saber à vontade de vir a ser.

Ignorar as circunstâncias pelas quais nossos estudantes estão passando neste ano, seria negar um aprendizado significativo. Seria correto, neste ano pandêmico, rotulá-los com uma reprovação? Afinal, será que os conteúdos não deverão ser revistos nos próximos anos, ainda para aqueles que alcançaram as médias exigidas? Será mesmo que houve aproveitamento tal qual as aulas presenciais neste modelo de educação à distância?

Contudo, esta resolução que trata da aprovação de todos os alunos inseridos nestes ciclos de aprendizagem passa ao largo de alguns aspectos legais, como, por exemplo, o fato de que não há referência na Lei 14.040 de 18 de agosto de 2020 sobre a progressão automática de alunos; do mesmo modo a LDB não prevê a oferta de Ensino Médio em ciclos; nem tampouco há na legislação previsão de aprovação automática quando da reorganização do calendário em razão de calamidade pública. Só nos resta saber para quais alunos haverá festa quando tudo isso acabar.

Melissa Pilotto, advogada, doutoranda em Ciências Jurídicas e mestre em Direito, é professora de graduação e pós-graduação em Direito, membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/PR.

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