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Cada um com suas histórias e seus horrores particulares, os dias 6 e 9 de agosto nos fazem lembrar dos 70 anos em que as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, nesta ordem, foram destruídas por bombas atômicas lançadas pelos Estados Unidos, episódio que culminou com o fim da 2.ª Guerra Mundial, após a rendição japonesa.

Numa época em que acontecimentos recentes de repercussão planetária, de catástrofes naturais a intervenções humanas, são esquecidos e tornam-se “coisas do passado” em pouco tempo, refletir sobre as explosões nucleares nas duas cidades japonesas, as únicas até agora efetuadas sobre uma população, deveria ter ao menos a finalidade, ainda que pouco solidária, de nos manter temerosos de que tais eventos ocorram novamente. E há razão para esta percepção. Se nos limitarmos apenas aos números, compartilhamos – e aqui o verbo não assume o significado virtual das redes sociais – mais de 17 mil bombas nucleares, distribuídas entre Estados Unidos (cerca de 8 mil), Rússia (pouco menos de 8 mil), Reino Unido (cerca de 215), França (aproximadamente 300), China (cerca de 250), Índia (por volta de 70), Paquistão (cerca de 75) e Israel (93). Sendo conservador em relação ao potencial destruidor deste arsenal, ele representa o equivalente a 100 mil bombas de Hiroshima. Ou seja, para cada um dos 7 bilhões de habitantes da Terra há disponíveis 200 quilogramas de TNT, um potente explosivo convencional.

A garantia de que uma guerra nuclear nunca se concretize depende fundamentalmente da diplomacia internacional

Distribuídos principalmente entre Estados Unidos e Rússia, os estoques de urânio e plutônio altamente enriquecidos e prontos para comporem os combustíveis de novas bombas atômicas somam entre 1,4 mil e 2 mil toneladas de urânio e 500 toneladas de plutônio, quantidades suficientes para a produção de 34 mil bombas de Hiroshima e 81 mil bombas de Nagasaki.

Será esta a razão de tanta repercussão sobre o longo (iniciado em 2006) e paciente acordo nuclear entre os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, denominado P5+1 (EUA, Reino Unido, Rússia, França, China e Alemanha) e a República Islâmica do Irã? Não do ponto de vista do aumento de algumas dezenas de novas armas nucleares ao arsenal mundial; o incremento numérico seria irrelevante. Isso é tão certo que os Estados Unidos e a Rússia estão investindo somas vultosas de recursos para aumentar e modernizar seus arsenais nucleares, assim como a China, em ritmo inicialmente modesto. O governo norte-americano prevê gastos de US$ 1 trilhão nas próximas três décadas para a produção de novos veículos para transporte de armamentos (entenda-se mísseis e suas bases de lançamento) e na modernização das armas nucleares existentes, incluindo ainda o aporte de US$ 660 milhões para a produção de plutônio no Laboratório Nacional de Los Alamos, local do então secretíssimo Projeto Manhattan, gestor e berço das primeiras bombas atômicas.

Esses investimentos em armamentos nucleares não são comparáveis com a corrida armamentista que sucedeu a partir de 1949, quando a extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, atual Rússia, detonou no deserto do Cazaquistão sua primeira bomba atômica. O volume do arsenal atômico acumulado no período 1949-1991, entre artefatos ativos e operacionais (estes últimos prontos para lançamento), chegou ao número de 32 mil armas nucleares norte-americanas em 1967 e 45 mil armas nucleares soviéticas em 1986.

No entanto, esta retomada de investimentos em armamento nuclear e seus sistemas de apoio não é menos preocupante, uma vez que ela se intensificou após a fragilização das relações geopolíticas entre Estados Unidos e Rússia desde a invasão da Ucrânia pelo governo do presidente Vladimir Putin, entre outras incompatibilidades diplomáticas anteriores. Além disso, deve-se considerar o aumento das tensões geopolíticas no continente asiático, tendo como atores no Leste Asiático a China, reivindicando territórios regionais; e o governo norte-coreano, persistindo na construção de armas nucleares. No sul da Ásia (subcontinente indiano), temos o Paquistão, expandindo seu arsenal nuclear em clara provocação ao governo indiano. E, no Oriente Médio, o Irã desafia os países vizinhos e o Conselho de Segurança da ONU com seu programa nuclear, declarado pacífico, mas suspeito de belicoso. Portanto, a razão de tamanha importância de um acordo que torne o governo iraniano incapaz de construir armas nucleares pelas próximas décadas está mais voltada para conter o aumento da instabilidade e ao mesmo tempo impedir uma escalada armamentista atômica regional.

Na natureza não existe fenômeno físico cuja probabilidade de ocorrência seja nula. Na história da humanidade a chance de que um determinado evento ocorra nunca pode ser desprezada, por menor que seja a probabilidade de que esse evento torne-se realidade. Pelo fato de envolver muitas variáveis, concretas e subjetivas, é difícil estimar qual a probabilidade de que a humanidade vivencie no futuro uma guerra mundial militarmente fundamentada no uso das armas nucleares. No entanto, não devemos imaginar que o arsenal nuclear mundial, que consome bilhões de dólares anuais com manutenção e segurança, tenha como finalidade a validação da doutrina militar da Destruição Mutuamente Assegurada, do acrônimo MAD (de Mutually Assured Desctruction), que em inglês significa “louco”. Criado na década de 50, esse conceito apregoava que países detentores de armamento nuclear jamais se enfrentariam por temerem a destruição mútua; esta crença, arraigada como uma certeza absoluta, é antes de tudo uma postura confortavelmente ingênua.

Como a erradicação completa do arsenal nuclear mundial tende mais para o campo da utopia que da realidade (apesar dos nobres esforços da Comissão da iniciativa Global Zero), a garantia de que uma guerra com armas nucleares nunca se concretize depende fundamentalmente da incansável ação da diplomacia internacional, a qual tem se mostrado até o presente como o único recurso realmente efetivo para impedir o uso de armas nucleares em confrontos bélicos.

Para não ficarmos somente na temerosa expectativa de testemunhas do poder de destruição desse tipo de armamento no futuro e sermos solidários com o povo japonês, lembremo-nos sempre: no ano de 1945, às 8h15 de uma manhã ensolarada de 6 de agosto, a explosão da bomba atômica Little Boy sobre Hiroshima resultou na morte imediata de 70 mil pessoas (200 mil até dezembro do mesmo ano) e na destruição, até o nível do solo, de uma área equivalente a dez Parques Barigui; às 11h02 de 9 de agosto, a bomba atômica Fat Man provocou a morte, “num piscar de olhos”, como encontramos em textos históricos, de 50 mil pessoas e entre 70 a 80 mil até o fim daquele mesmo ano.

Dinis Gomes Traghetta é professor de Física dos cursos de Engenharia da Universidade Positivo.
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