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Não é a primeira vez que o Brasil e a América Latina escapam com pouco dano de uma catástrofe econômica mundial. Se os novos tropeços dos EUA e da Europa confirmam que enfrentamos a variedade maligna e prolongada da crise, o que só ocorre a cada 80 ou 100 anos e dura uma década ou mais, o que temos a aprender da fase em que passamos por experiência análoga?

O único precedente em nosso passado recente foi o dos anos 30: a Grande Depressão ou Contração. Para nós, o período não merece tal nome nem pela duração, nem pela intensidade.

Enquanto nos EUA a recuperação durável só chegou com a Segunda Guerra Mundial, na América Latina, exceto Nicarágua e Honduras, todos começaram a crescer em 1931/32, com números positivos constantes e superação do PIB real per capita anterior à crise.

Em oito deles, entre os quais Brasil, México, Chile, Peru e Venezuela, o PIB aumentou mais de 50% entre 1931/32 e 1939. Nesses anos, a média do crescimento anual brasileiro foi de 4,8%, contra 4,4% na Argentina, 6,5% no Chile e 6,2% no México. Nada mau, portanto, mesmo comparado ao desempenho recente, digamos de 2000 a 2008.

O principal impulso proveio do mercado interno. A demanda se manteve forte, favorecida por políticas fiscais e monetárias estimuladoras do consumo e investimento. No Brasil, até a queima do café em locomotivas contribuiu, pois, ao gastar para comprar e destruir o produto, o governo injetou recursos na economia.

Um fator secundário da recuperação consistiu na reativação do comércio exterior que, apesar do protecionismo, cresceu em dólares a partir de 1932 até a recaída americana de 1938.

Nesses anos, as importações dos EUA aumentaram em 137%. Em volume, as vendas do Brasil aumentaram em média anual de 10,2% e as importações em 9,4%. A exceção coube à Argentina, dependente da Inglaterra, cujas exportações caíram em 1932, só se recuperando 20 anos depois.

Em conclusão, a propagandeada "marolinha" brasileira de dois anos atrás nada teve de inédito e excepcional, nem no espaço, pois comum à maioria do continente, nem no tempo, uma vez que nos havíamos saído bem de crise incomparavelmente mais grave nos anos 30.

Naquela ocasião entramos na turbulência com dívida cujo pagamento tivemos de suspender várias vezes parcialmente até a suspensão total em novembro de 1937. Hoje a situação em matéria de dívida, reservas e saúde do sistema financeiro é infinitamente superior.

Não havia na época China para ajudar. Só no final a Alemanha nazista pesou mais no comércio, representando 10% das exportações e 17% das importações latinoamericanas. O Brasil teve nessa expansão o melhor resultado em volume, graças ao algodão cuja área quadruplicou, multiplicando por seis a produção e compensando o fraco desempenho do café.

O fato é que para a América Latina e o Brasil, a verdadeira Grande Contração desabou sobre nós nos anos 80, não nos 30. A lição da história é de não sofrer passivamente as crises externas, aprendendo a crescer com elas, por meio da adoção das políticas adequadas.

Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.

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