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A história é definida como a ação do homem no tempo e no espaço. Disso subentende-se que ela está intimamente ligada às noções de cronologia e de geografia. A historiografia é o conjunto de estudos, análises e interpretações construídas ao longo do tempo sobre os diversos acontecimentos e contextos históricos.

Embora não se reduza ao aprendizado cronológico, na disciplina de História o aluno deve entender os acontecimentos dentro de uma sequência temporal lógica e observá-los como inseridos em determinada localidade geográfica, para evitar cair em um abstracionismo distante da realidade.

Um bom currículo de História deve oferecer diferentes interpretações, buscando salientar os fatos e contextos históricos e não uma interpretação em particular. O que há em comum na História entre estudantes com diversas visões de mundo senão os fatos e o contexto dos diferentes períodos históricos? A recente Base Nacional Curricular Comum proposta pelo MEC privilegia interpretações específicas da História em detrimento da cronologia e dos contextos históricos. Os períodos antigo e medieval são praticamente erradicados do currículo, como se nosso mundo surgisse do nada a partir do século 16.

Os períodos antigo e medieval são praticamente erradicados do currículo, como se nosso mundo surgisse do nada a partir do século 16

A BNCC estrutura seus conteúdos com eixos temáticos, privilegiando relações de poder e interesses entre grupos étnicos, sociais ou econômicos, focando o período entre os séculos 16 e 21, tendo o Brasil como centro. Assim, a base curricular do MEC privilegia uma interpretação pautada na História Social que prioriza a ideia de ruptura com o passado e que menospreza a formação cultural europeia anterior ao século 16, que muito influenciou os processos históricos posteriores.

O Brasil teve uma grande contribuição cultural dos povos ameríndios e africanos; entretanto, é inegável que a estrutura institucional e a visão do mundo da maioria do povo brasileiro tiveram uma grande influência europeia: nossos valores e modo de ver o mundo vieram, em grande parte, da filosofia grega e das crenças judaicas e cristãs, ao passo que nosso aparato jurídico é herdeiro do Direito Romano.

É curioso que um currículo que se diz pautado em uma dimensão cidadã ignore a contribuição do judaísmo e do cristianismo para a valorização das pessoas com deficiências físicas ou mentais (o que não ocorria no mundo pagão greco-romano); a contribuição da Escola de Salamanca e dos debates sobre os direitos indígenas nas Américas para as noções de direitos humanos; e a teoria política tomista como contributo para as noções de limites da autoridade e de participação política das instâncias menores, dentre outras coisas.

O documento igualmente ignora as mais recentes abordagens historiográficas sobre a Idade Média, o Brasil Colonial e a História Cultural. A base deveria se centrar nos acontecimentos e contextos históricos, possibilitando aos alunos o conhecimento de distintas abordagens historiográficas.

Há elementos positivos na BNCC proposta pelo MEC, como frisar os métodos de pesquisa e a análise crítica das fontes e um maior destaque às diversidades dos povos ameríndios e africanos. Entretanto, quem olhar o currículo proposto tanto para o ensino fundamental quanto para o ensino médio observará que parece um contínuo “vai-e-volta”, fazendo com que o aluno se confunda ainda mais nos níveis cronológico e espacial. O MEC faria melhor se insistisse na importância de linhas do tempo e mapas históricos do que impor uma interpretação historiográfica a todo o ensino de História.

Rafael de Mesquita Diehl é mestre em História pela UFPR e professor de História no ensino fundamental II.
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