• Carregando...

A ansiedade está de plantão. Em momentos de turbulência, como agora, convém esclarecer os fatos, não deixar sombras, nem dúvidas. O governo Lula foi poupado de grandes crises internacionais e só agora, no segundo mandato, enfrenta um cenário preocupante.

Convém não cochilar: histórias da carochinha recomendam-se para momentos tranqüilos, sem sobressaltos. A consciência do perigo exige narrativas bem costuradas e narradores menos negligentes. As bruxas de agosto neste ano chegaram muito cedo, estão tinindo, não perdoam lapsos, contradições, furos.

As últimas trapalhadas do senador Renan Calheiros escancaram um Legislativo desmilingüido, complacente com as malícias do Executivo e onde as concessões de rádio e TV são distribuídas diariamente a parentes e asseclas sem qualquer fiscalização e controle. Indistinguíveis em matéria moral, a Câmara Alta e Baixa fazem parte do mesmo cipoal de prevaricações que extravasou dos plenários e coloca sob suspeição até o sistema de comunicação social.

O caso dos boxeadores cubanos repatriados às escondidas num fim de semana, sem qualquer esclarecimento prévio à sociedade, oferece a imagem de um Estado pretensamente democrático entregue a um terceiro escalão absolutista, alheio aos compromissos constitucionais.

Os rotineiros vazamentos de documentos sigilosos relativos à última catástrofe aérea revelam que os cofres do governo – tão vulneráveis aos assaltos de gatunos – são também verdadeiras peneiras, permeáveis a todos os tipos de interesses políticos e econômicos, sobretudo os escusos.

Em tempos normais, a mística do bem-estar sobrepõe-se aos truncamentos narrativos. Quando as aflições estão esquecidas, todos os enredos funcionam: ouvintes esquecem perguntas, querem apenas os detalhes do final feliz.

Mas os tempos não são propriamente normais. A tensão no mercado financeiro mundial já dura algumas semanas, agravou-se perigosamente nesta semana e já não se limita à súbita retração do mercado imobiliário americano depois de anos de despreocupação e consumismo da classe média.

Um império que desaba por livre e espontânea vontade como é o caso dos EUA não tem credibilidade para manter a prosperidade por muito tempo. A economia mundial não pode ser mantida apenas pelas tremendas necessidades chinesas de matéria-prima e energia. As peças do dominó macroeconômico global permanecem juntas, porém podem ser abaladas quando os bancos centrais do primeiro mundo sentirem que não podem injetar mais recursos para garantir a liquidez.

O Brasil tem um confortável colchão de dólares, mas em tempos de tufões e furacões os ventos costumam ser insubordinados, imprevisíveis. Sem gerenciamento, dinheiro em caixa conta pouco, escoa, evapora. O novo premiê inglês, Gordon Brown, quando comandava a economia do antecessor Tony Blair, era obsessivo ao condicionar investimentos a reformas. Sem mudanças o dinheiro vai inapelavelmente para o ralo.

O Estado brasileiro prepara-se para uma formidável gastança na infra-estrutura através do PAC, mas sem uma drástica alteração nos costumes e usos do sistema político-administrativo esta dinheirama irá diretamente para lobistas e empreiteiras inescrupulosas.

A reforma política já foi para o brejo porque o governo não tem forças e pode contrariar a base aliada constituída em boa parte por partidos e políticos que precisam ser urgentemente saneados. A idéia de um plebiscito e/ou mini-constituinte é aldrabice, empulhação, desculpa para não mover uma palha.

Mesmo que a Varig tenha sido proibida de voar para a Argentina é preciso prestar muita atenção ao que se passa com os nossos vizinhos. O casal Kirchner armou um enredo de conto de fadas aparentemente infalível, embalado pela miragem dos bons tempos, bons ventos e muita sorte. Em dois meses apenas o aprazível cenário transformou-se num filme de horrores com uma incrível serie de escândalos. Embora sem as características sistêmicas do nosso mensalão, é ainda mais grave porque tem fortes conexões palacianas e bolivarianas.

Em tempos de crise, convém atentar para a fabulação. Cada trama é um desafio à capacidade de explicar e esclarecer. Audiências inquietas querem histórias bem contadas, de preferência com ponto final. Reticências são um perigo.

Alberto Dines é jornalista.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]