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Madri coronavírus
Membro da Unidade de Emergências Militares (UME) realiza uma desinfecção geral na Estação de Metrô Nuevos Ministerios em Madri, Espanha.| Foto: OSCAR DEL POZO/AFP

As grandes questões que precisamos tentar responder em tempos difíceis como esse que estamos vivendo estão relacionadas a quem tomará conta de nós neste momento: a ciência, a religião ou o governo – ou todos? Quais os valores de que não podemos abrir mão e, afinal, o que é mesmo prioridade? Estamos, sim, em meio a uma pandemia sem precedentes, mas quais os limites reais desta crise? Existe, de fato, uma hora certa para iniciarmos as medidas restritivas? E, finalmente, o que ficará depois que isso tudo passar?

“Desastre”, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, “trata-se de uma alteração de forma súbita de pessoas, de seu meio ambiente, ou de seus bens, causada por fatores externos de origem natural ou causada pela ação humana e que demanda uma ação imediata por parte das autoridades de saúde, visando à diminuição das consequências do mesmo”. Diante desta definição, estamos, sim, enfrentando, de certa forma, um “desastre biológico”. Um vírus novo, com um potencial de infectar um grande número de pessoas rapidamente, e que foi subestimado na sua fase inicial. O custo está sendo muito alto onde isso já ocorreu. A China, a Itália e o Irã estão vivenciando o resultado disso. A letalidade, que é a razão entre o número de óbitos e o número de doentes infectados, felizmente é baixa. Porém, considerando a velocidade de disseminação e as necessidades de leitos de UTI, precisamos de medidas preventivas para contenção da sua disseminação.

Ciência, religião ou governo? Em quem podemos confiar? Temos hoje todos os recursos científicos necessários para vencermos tecnicamente este vírus. E vamos vencer, não tenho dúvidas disso. Porém, estudos clínicos de grande qualidade e de alto nível de evidência científica, tanto para testar novos medicamentos quanto vacinas, precisam de recursos financeiros e de tempo para que seus resultados possam ser apresentados, aceitos ou refutados pela comunidade científica. E, uma vez comprovados, eles irão precisar de medidas de saúde pública efetivas para serem aplicados. Ou seja, sair do limite do estudo clínico, da teoria, e passar para a prática, no período mais breve possível no mundo real.

Todos estes fatores nos levam a um denominador comum nesta crise: é hora de retornarmos para casa, literalmente. Aos fundamentos de nossa vivência pessoal em sociedade, que nesta era digital e global estavam sendo deixados de lado. Essa expressão “tornar à casa” pode ter diferentes significados. Homero descreveu esse retorno à casa como uma viagem heroica depois de anos de luta em Troia. Por outro lado, “tornar à casa” pode significar também insucesso. Um retorno para alguém ou lugar que não gostaríamos de conviver ou vivenciar, o insucesso ou o esquecimento social. Afinal, fora de casa temos o trabalho, o estudo, a diversão, o nascimento dos filhos, o tratamento dos doentes, a vida, o nascimento e a morte. Quem nos guiará neste retorno à casa, indesejado e inesperado em tempos de pandemia? A ciência é a nossa base segura, a religião pode ser um importante instrumento de alento para alguns e a filosofia, um meio de nos guiarmos para a paz desejada.

Tornar à casa em tempos de pandemia significa uma oportunidade de nos transformarmos internamente. Se combater este vírus é uma necessidade urgente, o melhor meio, a nosso ver, como sociedade, é por meio da ética. A ética da comunicação, do cuidado e da responsabilidade. Na ética da comunicação, órgãos de imprensa e órgãos governamentais agindo com transparência e profissionalismo na forma de passar as notícias. Nós, como pessoas comuns, passarmos apenas as informações que forem seguras nas nossas redes sociais, de fontes confiáveis, para evitarmos um dos danos maiores desse vírus que é a desinformação. Desinformação que gera pânico desnecessário e até comportamentos de risco. A ética do cuidado, não expondo nossas populações mais vulneráveis a riscos desnecessários. Mantermos nossos idosos à distância de ambientes onde existam aglomerações. E a ética da responsabilidade, por meio do nosso comportamento, do nosso exemplo pessoal. Para aqueles que estão em postos de liderança, lembrar sempre que o valor mais importante é a preservação da vida. Teremos todos de arcar com prejuízos econômicos, maiores ou menores, de tudo que estaremos passando nos próximos meses. Mas a segurança coletiva é o mais importante neste momento.

E, finalmente, uma das tantas histórias ainda não contadas dessa pandemia se refere ao legado que ela deixará em nossas vidas. Nossos filhos retornando à casa, nossos idosos confinados, e a ausência temporária de eventos sociais. O que ficará de tudo isso? Que todos juntos somos mais fortes. E que a solidariedade é um valor fundamental da convivência em sociedade.

Cicero Urban, médico mastologista e oncologista, é vice-presidente do Instituto Ciência e Fé em Curitiba.

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