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Homeschooling: o resgate de um direito como necessidade antropológica
| Foto: Unsplash

Aristóteles, ao interrogar-se sobre como modelar a vida na busca da felicidade, concluiu que só uma existência que cumprisse a sua finalidade poderia ser considerada ética e feliz. O homem, apesar de possuir propriedades comuns às plantas e aos animais, não pode realizar-se à maneira de um bicho, ignorando o exercício das suas faculdades superiores. A perfeição humana só pode ser alcançada no uso da inteligência, e no uso das suas faculdades animais segundo a razão: é aí que reside, segundo o filósofo, a felicidade. Aristóteles mostrou, na prática, que sabia educar como ninguém: ele cuidou, pessoalmente, da educação de Alexandre Magno, que, na sua curta existência, foi capaz de feitos notáveis.

Comum em toda a história humana, uma atividade pedagógica semelhante à de Aristóteles – feita em casa, aos cuidados dos pais ou de um tutor – foi ignorada pela Constituição Federal de 1988. O Brasil aderia assim, com um pouco de atraso, à centralização que vinha ocorrendo no âmbito educativo em todo o mundo, desde o século 19. Contudo, desde os anos 50, um movimento de resistência – que eclodiu nos anos 60 e foi aumentando de intensidade em diversos países do mundo – levou à restauração do homeschooling como modalidade educativa legalmente aceita.

Enquanto os críticos acreditam que só a escola pode proporcionar uma socialização adequada às crianças, muitos pais desejam tirar os filhos da escola justamente por causa dos malefícios do ambiente escolar

No Brasil, desde 1994, já são 14 projetos de lei – um deles por iniciativa do próprio governo Bolsonaro – que buscam resgatar este direito. Em várias cidades e estados pululam iniciativas semelhantes procurando regulamentar esta modalidade em nível local. Mas, mesmo sem uma previsão legal, o homeschooling não para de crescer: de acordo com a Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), o crescimento, na última década, foi da ordem de 2.000%. O que tem levado tantas famílias a aderir a esta prática, correndo o risco de receber processos, multas e outros constrangimentos? O que está por trás do crescimento maciço da educação domiciliar? Um olhar mais atento para a realidade escolar nos permite obter algumas respostas.

Segundo dados oficiais, quase todos os alunos do último ano do ensino médio – depois de 12 anos de frequência à escola – são, tecnicamente, analfabetos funcionais. Quanto mais anos na escola, pior é o desempenho, segundo o Saeb: no 5.º ano, o índice de alunos com proficiência adequada em leitura é de 11,9%; no 9.º ano, apenas 2,87%, e no último ano cai para mísero 1,64%. Impossível não perguntar: se houvesse mais um ano, haveria ainda alguém capaz de ler?

Qual a consequência desta calamidade para as universidades e o mercado de trabalho? Segundo o Instituto Paulo Montenegro, só 12% dos trabalhadores formados pela escola têm proficiência em leitura; dos trabalhadores com diploma universitário, 50% são analfabetos funcionais. Mesmo entre os profissionais da educação os proficientes não passam de 16%.

É provável, contudo, que o baixo desempenho acadêmico não seja a principal causa da opção pelo homeschooling. A “socialização” é o principal eixo em torno do qual se desenrola a polêmica sobre o homeschooling: enquanto os críticos acreditam que só a escola pode proporcionar uma socialização adequada às crianças, muitos pais desejam tirar os filhos da escola justamente por causa dos malefícios do ambiente escolar.

As pesquisas não desmentem a má impressão causada pela escola pública, em que se destaca a presença da violência escolar. O Brasil é o campeão mundial – segundo pesquisa da OCDE – na violência contra professores, dos quais 12,5% sofrem violências semanalmente. O aluno, segundo pesquisa da Unesco, não está mais seguro na sala de aula do que na rua, ficando exposto à violência escolar sob forma de agressões, roubos, assaltos, estupros, depredações e discriminação racial. O tráfico de drogas também tem seus tentáculos na escola, onde por vezes ocorrem até tiroteios.

Como se não bastasse, é recorrente um tipo de violência pedagógica por parte de professores militantes, que submetem uma audiência cativa, sujeita à avaliação, à pressão político-ideológica. Desde o ensino fundamental até a universidade, foram documentadas cenas de intimidação e cerceamento à liberdade de expressão diante de posicionamentos político-ideológicos de viés antimarxista.

Como crianças que não entendem o que leem, num ambiente precário, poderão desenvolver sua dimensão propriamente humana?

Mas uma violência ainda mais profunda é exercida por grupos militantes contra a própria identidade dos alunos dentro da instituição escolar: é o caso da “ideologia de gênero”, muitas vezes presente em materiais didáticos e currículos – de forma ostensiva ou velada – para promover a educação sexual desde a mais tenra idade. O objetivo dessa ideologia é plasmar uma nova identidade que dissolva completamente a distinção entre homem e mulher, seja na prática sexual, seja nos papéis sociais geralmente atribuídos a eles. Todos os alunos, sem distinção, deveriam abrir-se às diversas condutas sexuais e aos papéis sociais de ambos os sexos, através de “atividades pedagógicas” e técnicas de dinâmica de grupo. Essa prática ocorre geralmente sem o conhecimento dos pais e, pior, com o objetivo declarado de impedir a transmissão dos valores familiares – tidos como inaceitáveis.

As estimativas indicam que o Brasil deve demorar 260 anos para atingir o patamar acadêmico dos países mais bem avaliados nos testes internacionais. Os pais sabem que seus filhos não podem esperar tanto, e sobretudo não devem ser obrigatoriamente expostos, nos anos mais delicados da sua formação, a esta realidade muitas vezes hostil, que inclui violência, tráfico de drogas, intolerância política e destruição dos valores familiares.

O que diria Aristóteles da educação que é oferecida nas nossas escolas? Como crianças que não entendem o que leem, num ambiente precário, poderão desenvolver sua dimensão propriamente humana? Nesse contexto, o direito à educação domiciliar, devolvendo a liberdade e ampliando as possibilidades educativas, apresenta-se como uma das necessidades mais urgentes para enfrentar esta crise de dimensões antropológicas que assola a nossa civilização.

Fausto Zamboni, doutor em Letras, é professor de Língua e Literatura Italiana na Unioeste/Cascavel e autor de Contra a escola: ensaio sobre literatura, ensino e educação liberal.

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