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Senado aprova a nova lei de licitações
Senado aprova a nova lei de licitações. Imagem ilustrativa.| Foto: Jane de Araújo/Agência Senado

Quase no fim de 2020, foi aprovado pelo Senado Federal o Projeto de Lei 4.253/2020, estabelecendo novas normas gerais de licitações e contratos administrativos. O projeto com a nova legislação depende de sanção presidencial e publicação, para começar a contagem do prazo para sua entrada efetiva em vigor (vacatio legis). A intenção do legislador foi de que o novo texto legal substitua a Lei 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos), a Lei 10.520 (Lei do Pregão) e a Lei 12.462 (do Regime Diferenciado de Contratações).

Há quem entenda que, depois de muitos anos tramitando no Congresso Nacional, o Legislativo conseguiu, mais uma vez, gerar texto legal defasado da realidade, que manteve grande burocracia e reduzida margem de discricionariedade no curso das licitações para a administração pública. Ou seja, seguiu-se imaginando que o processo objetivo de licitação terá capacidade de gerar a melhor contratação, o que, como sabemos, não acontece em muitas situações.

Porém, acima de tudo, dentre os defeitos da legislação anterior, foi mantida no novo texto a grande desproporcionalidade entre os direitos e deveres das partes contratantes, que tem origem em momento passado de culto aos “supremos interesses públicos”, que não mais corresponde à realidade e à dinâmica do mercado atual.

Mantida a normatização como foi aprovada pelo Senado Federal, permanecerão intocadas as prerrogativas contratuais das administrações públicas, que lhes asseguram o poder de unilateralmente alterar, rescindir, anular e, em alguns casos, claramente descumprir os contratos, sem que o contratado privado possa suspender suas obrigações contratuais.

Ou seja, a ideia de manter o particular como refém do ente público contratante se manteve inalterada, o que contribuirá, cada vez mais, para afastar as boas empresas privadas das contratações públicas. Em determinados segmentos, é cada vez maior o número de empresas privadas, e que detêm grande tecnologia e expertise, desinteressadas em contratar com o Estado, por simplesmente ser incompatível – ao ver delas – a desigualdade dos polos contratantes.

A administração pública precisa entender que os particulares buscam parceiros contratuais, não patrões!

E o pior disso tudo é que mesmo aquelas empresas que se mantêm participando de licitações públicas acabam embutindo, em suas propostas comerciais, todo esse custo gerado pela insegurança decorrente do uso arbitrário destas prerrogativas contratuais pela administração pública. Ou seja, onera-se em verdade o contrato público, que não reflete o melhor custo final daquela operação.

O legislador perdeu excelente oportunidade de rever esses pontos, mas preferiu manter intocada a sacra administração pública, que, ano após ano, está cada vez mais defasada e distante da realidade do mercado.

Excluída essa situação, observam-se algumas mudanças pontuais, que podem representar modernização do processo licitatório.

É bom lembrar, inicialmente, que, quando o projeto de lei for sancionado e a lei for publicada, a revogação das leis 8.666/09, 10.520/2002 e do RDC só acontecerá após decorridos dois anos da publicação oficial desta nova legislação. E mesmo esse período de vacância da lei também não será igual para todos os órgãos públicos.

Esclarecido isso, um ponto que desperta a curiosidade refere-se à modalidade específica de licitação prevista na lei. A norma criou regras para União, estados e municípios e previu cinco tipos de licitação: concorrência, concurso, leilão, pregão e diálogo competitivo. Esta última modalidade é inovação que tem inspiração estrangeira e se caracteriza por permitir negociações com potenciais competidores previamente selecionados por critérios objetivos.

Definida como modalidade para contratação de obras, serviços e compras de grande vulto, o diálogo competitivo será aplicado a objetos que envolvam inovação tecnológica ou técnica, ou a situações nas quais o órgão ou entidade não possa ter sua necessidade satisfeita sem a adaptação de soluções disponíveis no mercado, ou quando as especificações técnicas não possam ser definidas com precisão suficiente. Ou seja, transfere-se ao particular a obrigação de trazer novas tecnologias ao poder público, o que tende a ser produtivo.

Com relação a critérios de julgamento, a nova lei prevê, além de menor preço, melhor técnica ou conteúdo artístico, o maior retorno econômico, o maior desconto e o maior lance.

Entre os trechos modificados pela Câmara no projeto de lei e mantidos pelo Senado estão o aumento do valor estimado para obras e serviços considerados “de grande vulto” (de R$ 100 milhões para R$ 200 milhões) e a mudança no sistema de registro de preços, que será utilizado não somente na modalidade pregão, mas também em contratações diretas e concorrências.

Na fase preparatória da licitação, o projeto de lei inovou em medidas para melhorar a fase de planejamento, enfatizando a necessidade de estudo técnico preliminar, com soluções de mercado na definição de estratégia de contratação.

Já no curso da licitação propriamente dita, a regra geral é a inversão das fases de julgamento e habilitação. Embora não seja algo novo, não havia uniformidade na legislação sobre o tema. Com a nova lei, o processo licitatório será conduzido de forma invertida, o que é positivo, especialmente pela simplificação e redução de demandas judiciais já na fase de habilitação (que, pela Lei 8.666/93, é a inicial).

Contudo, também há risco com a inversão. Por exemplo, pode-se imaginar alguma flexibilização maior na análise dos documentos de habilitação, quando a proposta comercial for atrativa e importante para o ente público. Isso deve ser evitado, para que aparente “proposta vantajosa” não se torne caso concreto de “contrato descumprido”.

Algo comemorado e que se espera seja bem implementado centra-se na resolução de conflitos dos contratos administrativos. O novo texto legal previu a utilização de meios ou alternativos de solução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem. O diferencial foi a normatização do Dispute Boards ou comitê de resolução de disputas, instituto defendido há algum tempo pela doutrina (e inclusive em decisões isoladas do Poder Judiciário) como instrumento adequado para destravar conflitos no âmbito de contratos públicos. Desde que corretamente utilizado, esse instrumento tende a evitar o agravamento de diversos litígios contratuais e, em alguns casos, inclusive destravar o andamento de contratos públicos.

Conclui-se disso tudo que, mesmo diante de graves e potenciais travas burocráticas que foram mantidas no processo licitatório, a nova legislação possui alguns pontos que podem – se adequadamente aplicados – gerar benefícios, que poderão ser vistos daqui a algum tempo (em vista do período de vacatio legis).

André Bonat Cordeiro é mestre em Direito Empresarial e Cidadania.

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