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Edifício sede da Petrobras, no centro do Rio de Janeiro: empresa aprimorou a governança e investiu em compliance após o escândalo de corrupção descoberto pela Operação Lava Jato.
Edifício sede da Petrobras, no centro do Rio de Janeiro: empresa aprimorou a governança e investiu em compliance após o escândalo de corrupção descoberto pela Operação Lava Jato.| Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

De alguns anos para cá muito se fala em programas de compliance para as empresas. A ideia é criar mecanismos internos nas corporações, para autocontrole e adoção de condutas convergentes com a função social das empresas, enquanto entidades indispensáveis à ordem econômica, de modo a evitar que sua atividade sirva para finalidades espúrias.

Os programas de compliance servem – quando bem desenvolvidos e corretamente implementados – para alinhar o comprometimento real das empresas, abrangendo desde o seu quadro de mais alta hierarquia até seu funcionário inicial de carreira. Serão por ele ditados padrões de conduta, códigos de ética e políticas de integridade que deverão ser respeitadas em todas as atividades e negócios da empresa, de modo a prevenir ilícitos. Basicamente, o compliance é controle social que o Estado transferiu de si para dentro das pessoas jurídicas, criando mecanismo de autocontrole.

Um programa de compliance abrangente e bem implementado nas empresas transparecerá aos seus funcionários e colaboradores a sensação de que, se uns não fiscalizarem os outros, todos serão prejudicados. Ou seja, tende-se a reduzir riscos empresariais decorrentes de condutas ilícitas porventura praticadas por um ou outro membro da relação empresarial. Essa tendência foi incorporada na nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021), em alguns dispositivos que, implícita ou explicitamente, retratam a importância e a obrigatoriedade da existência de programa de compliance nas empresas que pretendem contratar com o poder público.

Tomando-se o artigo 25, parágrafo 4.º da lei, há previsão de que, em contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, o ente licitador poderá exigir a implantação de programa de integridade/compliance do licitante vencedor, no prazo de seis meses da celebração do contrato. A regra é bastante clara, porém, ao meu ver, insuficiente ou talvez – até mesmo – ineficaz.

Quando digo “insuficiente”, é porque entendo que deveria ser exigência do edital que as licitantes já tivessem programa de compliance implementado e comprovassem sua extensão como condição de habilitação (em vez de terem de o implementar apenas se forem contratadas). E mais: a insuficiência da previsão normativa também decorre da exigência do programa de compliance apenas para contratações de grande vulto. O mais adequado seria sua exigência para contratações em geral, de modo a que a administração pública atuasse mais incisivamente como um dos vetores capazes de exigir a máxima integridade de quem desejasse com ela contratar.

E, quando digo que a regra talvez seja ineficaz, refiro-me à dificuldade de mensuração da efetiva abrangência e efetividade do programa de compliance implementado pelos contratados dos entes públicos. Corre-se o risco de a administração pública se deparar com ótimos programas de compliance em tese, mas que não são devidamente implementados pelas empresas no seu dia a dia. Porém, aí a questão é outra e se volta mais ao cumprimento do contrato administrativo propriamente dito.

Outro dispositivo da nova Lei de Licitações que cita o programa de compliance é o artigo 60, inciso IV, quando prevê que, em caso de empate entre as propostas, ele é um dos critérios a serem aplicados para o desempate. A dificuldade que se extrai desse dispositivo, em termos práticos, é que ele se refere ao desenvolvimento pelo licitante de “programa de integridade, conforme as orientações dos órgãos de controle”. Ora, as grandes empresas nacionais e internacionais já têm programas de integridade/compliance implementados e, naturalmente, não poderão ajustá-los constantemente de acordo com cada local em que pretenderem participar de licitações públicas. Como os órgãos de controle existem em esfera federal, estadual e municipal, em cada um deles pode haver regras distintas, sendo inviável julgar um programa de integridade como adequado ou não partindo apenas do critério de sua adequação às orientações de um ou outro órgão de controle. Essa será uma questão relevante a ser mais bem elucidada – ou, quem sabe, regulamentada – quando a lei for colocada em prática mais constantemente.

Também está previsto o programa de compliance na nova Lei de Licitações em seu artigo 156, parágrafo 1.º, inciso V, para eventual atenuante das penalidades a serem aplicadas a licitantes e contratados. Esta disposição é muito próxima da previsão do Decreto 8.420/2015, que regulamentou a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013).

Há, ainda, previsão do programa de compliance no artigo 163, parágrafo único, quando trata das condições a serem atendidas pelos licitantes ou contratados para reabilitação em relação a sanções anteriormente aplicadas. Ali está previsto que, no caso das condutas específicas descritas no artigo 155, VIII e XII, a reabilitação do licitante ou contratado dependerá da implementação de programa de integridade/compliance. Acerca desse dispositivo, vê-se que ele tem função análoga aos já existentes acordos de leniência, que viabilizam que as empresas punidas por ilícitos cometidos em licitações ou contratos sejam reabilitadas e possam participar de novos certames. Quis o legislador assegurar o princípio da boa-fé, acreditando que eventual punição anterior tenha servido de alerta para evitar novos deslizes e, com isso, possibilitar que mais empresas venham a concorrer nas licitações públicas.

De todas essas previsões, conclui-se que o programa de integridade/compliance sedimenta-se, cada vez mais, como instrumento de julgamento de condutas das empresas nas diversas esferas, privada ou pública, municipal a federal, constituindo-se em importante meio de combater desvios e premiar aqueles que têm políticas de integridade bem desenvolvidas e adequadamente implementadas.

André Bonat Cordeiro é advogado e mestre em Direito Administrativo.

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