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Impressão de dinheiro, a volta da inflação e o aumento da pobreza
| Foto: Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas

Na noite de 15 de abril, o Senado Federal aprovou a PEC do Orçamento da Guerra e, dentre as propostas, outorgou ao Banco Central a autorização de imprimir moeda para fazer frente à crise econômica que vivemos. Eis, que, ao conceder tal autorização, acendeu os holofotes de alerta do que poderia ser uma eventual arapuca inflacionária.

Políticas de expansionismo fiscal (investimento de dinheiro público na economia) são necessárias em situações de recessão e, em especial, de uma hecatombe sanitária e econômica provocada por uma pandemia global como a do coronavírus; ademais, poucos dias atrás o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) defenestraram as previsões econômicas da América Latina e do Brasil a partir das projeções de que o PIB deve sofrer queda de 5% e 5,3% respectivamente. Também fizeram suas abominosas projeções os bancos Itaú e Santander, com previsões de queda no PIB entre 2,2% e 4%.

Resulta que dentro dos mecanismos de expansionismo fiscal disponíveis estão, comumente, emissão de dívida como títulos dos governos, liberação de reservas de compulsório junto aos bancos e o chamado quantitative easing, que em tradução livre seria uma “flexibilização e/ou impressão de dinheiro”.

E é neste último instrumento que mora o perigo. O quantitative easing consiste na impressão de dinheiro e geração de riqueza de maneira artificial e sem lastro. O que outrora foi, por convenção, a emissão de dinheiro com base nas reservas de ouro de cada país (padrão dólar-ouro) terminaria em 1971, no mandato de Richard Nixon, quando os Estados Unidos abandonaram inteiramente a convenção de Bretton Woods em razão das crescentes necessidades de financiamento da Guerra do Vietnã. O padrão moeda dólar tornar-se-ia único. Mas isso para os EUA, donos do dólar, e ninguém mais.

Quando um governo imprime dinheiro, somente um dos lados do balanço de um banco central cresce, em vez dos dois lados do balanço, embora o conceito contábil criado e instituído pelo Frei Luca Pacioli no seu Tractatus de Computis et Scripturis (“Contabilidade por Partidas Dobradas”), de 1494, determine que para todo débito existe um crédito e vice-versa. Este conceito, portanto, é o sistema universal que rege a contabilidade de qualquer economia, seja de um ente federativo de qualquer esfera, seja de uma grande companhia ou, ainda, de um pequeno comércio de bairro.

Mas a questão do equilibro das forças de mercado, que se busca dentro do estudo da economia contábil, pode encontrar referência também na física, mais especificamente na Terceira Lei de Isaac Newton, que versa sobre a ação e reação. A lei afirma que, para toda força de ação aplicada a um corpo, surge uma força de reação. Essa força de reação tem a mesma intensidade, mas com sentido oposto. Agora, imaginemos se não houvesse esta força em sentido oposto, como formar-se-ia um vácuo. Tudo é mais ou menos assim na vida. Imprimir dinheiro ao léu não vai ficar sem consequências.

Tecnicamente, a impressão de dinheiro é considerada um calote na medida em que todos os títulos emitidos antes da impressão estariam lastreados em uma base monetária pré-determinada e, quando da impressão de mais dinheiro, alterar-se-ia o delta risco retorno de seus fundamentos. Outro complicador desta estroboscópica equação do quantitative easing de moeda é a tendência à depreciação do câmbio, que por sua vez, torna os produtos importados mais caros. Tudo isso em um cenário atual de choque de oferta e desabastecimento da indústria. Já vemos mais caros produtos como arroz, feijão, batata, justamente o que será daqui para frente o cardápio dos menos favorecidos. Também subiram remédios e EPIs.

A eventual iniciativa do governo brasileiro de fabricar moeda seria, portanto, algo sem qualquer respaldo, já que também não estamos indexados em moeda forte e, apesar de nossas reservas, não temos também experiência de sucesso. Seria um verdadeiro cadafalso que poderia levar a economia a um processo inflacionário descontrolado. Não funcionou na Alemanha de Weimar, no Brasil de Sarney e no Japão de Takahashi Korekiyo, muito menos na recente Venezuela de Chávez. Em todos os casos o resultado foi a hiperinflação. Em 1923, na Alemanha, um pãozinho de 50 gramas custava 21 bilhões de marcos; um jornal, 200 bilhões; uma passagem de bonde, 150 bilhões. As impressoras do Reichsbank imprimiam papel-moeda a todo vapor.

Muito menos temerária seriam, para o governo brasileiro, a implementação de programas de estímulos a fintechs e bancos e a emissão de títulos públicos, desta forma obtendo o aumento do endividamento público, considerando que, a cada real de dívida, o tomador deixa de investir ou gastar este mesmo valor na economia, o que traz o equilíbrio na base monetária – aquilo que se pretende em uma economia saudável. Ademais, seguiríamos lastreados, de certa forma, pelas reservas internacionais que perfazem a ordem de US$ 357 bilhões.

O aumento do endividamento público como resposta fiscal precisa ser considerado, haja vista que todas as nações deverão aumentar seu estoque de dívida neste mesmo momento, e considerando que haverá uma equivalência relativa no crescimento do estoque de passivo de cada país. Trocando em miúdos, se o Brasil se endividar 10% a mais do PIB, por exemplo, não será o único. A percepção de risco-retorno crescerá de forma global nos mercados. Se podemos resgatar a economia desta recessão emitindo dívida, a pergunta do milhão é: por que, então, correríamos o risco de imprimir moeda?

O Prêmio Nobel Milton Friedman propôs, em 1969, a parábola sobre o governo “jogar dinheiro de helicóptero” a fim de buscar o estímulo fiscal da economia; esta é a proposta de alguns economistas hoje para o Brasil. Pode fazer sentido na teoria. Tem início, meio, mas ninguém sabe se tem fim. Impressão de moeda seria a solução que teríamos para hoje e a formulação de um problema para amanhã. Um déjà vu nefasto, resultado de efeito colateral de um programa de governo cujo remédio poderia ser pior que a própria doença da recessão.

Alexandre Nigri é economista e CEO do Grupo Maxinvest e da MCP Realty.

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