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| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

É suficientemente claro a (quase) todos os agentes econômicos e setores de governo envolvidos que políticas econômicas protecionistas ou de incentivos ilusórios, no melhor estilo “tapando o sol com a peneira”, na forma de subsídios disfarçados de incentivos para alguns poucos setores, só transferem o real problema para o futuro, mitigando a competitividade em um mercado cada vez mais globalizado. A recente condenação do Brasil pela Organização Mundial do Comércio (OMC) por desrespeitar regras internacionais do livre comércio ao mascarar subsídios como se fossem incentivos é um dos amargos frutos que resultaram das desastrosas políticas para salvar setores da economia, como decorrência dos regulamentos produzidos nos últimos anos.

Mas não é só isso. É preciso perguntar: as empresas brasileiras conseguiram melhorar sua competitividade com tais políticas? Conseguiram crescer e gerar valor de modo consistente? A resposta mais adequada seria um indiscutível “não”! Apesar dos ilusórios ganhos no curto prazo, como a tentativa de “salvação” da indústria, ou do emprego de baixa qualificação propriamente dito, não há como enfrentar a concorrência quando mercados e competidores mais preparados posicionam suas demandas e ofertas de produtos e serviços em patamares mais elevados, levando em consideração a relação custo versus qualidade versus benefícios.

Será que com a condenação pela OMC nossa ficha caiu? Pode não ter caído, ou enroscou, uma vez que as empresas brasileiras são parte, ainda que atrofiada, de uma cadeia global poderosa. No momento em que perceberem isso e orientarem suas estratégias para uma melhor combinação de esforços com seus parceiros internacionais, o resultado só poderá ser promissor.

Políticas econômicas protecionistas ou de incentivos ilusórios só transferem o real problema para o futuro

Antes de tudo, é preciso ficar entendido que a política de “campeãs nacionais”, que faria alguns grupos escolhidos serem efetivamente competitivos, não surtiu efeito. Não vingou mesmo com os fortes subsídios baseados em leis ou regimes especiais que, em teoria, as favoreceriam, tornando-as competitivas em nível global. Mais uma vez a máxima pode ser comprovada: cedo ou tarde os disfarces caem.

Então, o que os países mais competitivos praticam no tocante à competitividade? Cuidam muito bem da educação de seus jovens, da capacitação e da graduação profissional, incluindo prioritariamente os professores, incentivando a pesquisa e o desenvolvimento científico e tecnológico, mesmo nas épocas de crise, elevando a capacidade de gerar inovações.

O único caminho é o investimento constante na qualidade e na educação, com incentivos contínuos para a pesquisa e desenvolvimento científico, técnico e tecnológico. É preciso gerar capacitação de recursos humanos dos quais as empresas necessitam para crescerem e manterem-se competitivas de maneira sustentável. Ou seja, fazer com que as empresas se utilizem efetivamente de recursos humanos capacitados. Mas é preciso ressaltar: não pode ser uma política passageira ou uma resolução válida por cinco ou dez anos; tem de ser para a vida toda. Esta receita de sucesso é amplamente conhecida.

Neste novo mercado altamente competitivo, que demanda novas tecnologias e depende da produtividade como componente decisivo para agregar valor, é imperativo que o trabalho intelectual (leia-se aqui conhecimento) e não o trabalho braçal seja o fator decisivo para se conseguir um lugar ao sol. Dados não muito distantes mostram que o Brasil, com uma população de mais de 200 milhões de habitantes, tem uma produção científica bastante tímida, com menos de 1,5% de participação na comparação mundial. A Coreia do Sul, com população que é a quarta parte da nossa, participa com 4,5% do montante da produção científica, ou seja, três vezes a produção científica do Brasil com um quarto da população brasileira.

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Por que o Brasil não decola, se dispomos de quase tudo o que o desenvolvimento requer: mercado consumidor, recursos naturais e instituições estabelecidas? É preciso tecnologia e investimentos em pesquisa para promover a inovação, que depende diretamente tanto de capital quanto de recursos humanos qualificados, e cada vez mais estamos indo na contramão, uma vez que quase exclusivamente nosso desenvolvimento científico e tecnológico está restrito às universidades públicas.

E por que nossos pesquisadores estão prioritariamente nas universidades? Uma das respostas, entre outras, é porque faltam incentivos para seus trabalhos, ou para as empresas investirem em pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Levantamentos indicam que apenas 10% de nossos pesquisadores estão atuando na indústria, enquanto este porcentual ultrapassa os 75% nos Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão e Alemanha.

Incentivos são importantes tanto para nós quanto para os principais atores da economia global. Como fazer com que nossas empresas e setores se desenvolvam na direção correta? Qual é a base da competitividade para quem deseja melhor posicionamento no cenário mundial? Saindo dos governos (União, estados e municípios) e da educação pública, o que poderia viabilizar ou incentivar maior investimento em P&D sem gerar excessiva renúncia fiscal ou políticas que firam o comércio mundial?

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No Brasil, algo deste potencial pode ser representado pela Lei do Bem (Lei 11.196/2005), um aperfeiçoamento da Lei 8.661/1993, que instituía o Programa de Desenvolvimento Tecnológico Industrial e Agropecuário (PDTI/PDTA). Portanto, lá se vão 24 anos. Poucas empresas usam o benefício, que trata basicamente da redução do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e redução da Contribuição Sobre Lucro Líquido (CSLL), em função da dedução adicional, no cálculo destes impostos, de 60% a 100% de todo o custo incorrido na pesquisa e desenvolvimento tecnológico de seus produtos, processos ou serviços. Isso sob certas prerrogativas e interpretações que nem sempre deixam as empresas com necessária fluência e segurança ao apresentarem suas declarações anuais ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).

O ponto central é que grande parte das empresas com potencial de investimento hoje encontra-se em prejuízo fiscal e o benefício que seria gerado através dos dispêndios em P&D não pode ser utilizado sem que haja efetivo pagamento destes impostos (IRPJ e CSLL, no caso), somente possível através de lucro fiscal.

Encontram-se em discussão, por parte de conselhos e comissões formadas pelo governo, no âmbito do MCTIC e do Ministério da Indústria e Comércio (MDIC), com a participação de associações da iniciativa privada, uma série de pontos e aperfeiçoamentos que poderiam viabilizar uma maior utilização da Lei do Bem, além da simplificação de alguns itens ou parágrafos da lei que poderiam facilitar a interpretação por parte das empresas e o controle ou análise e homologação por parte dos órgãos de governo. Uma das propostas em discussão, entre outras de elevada importância, é exatamente a possibilidade de acumular créditos ou deduções adicionais para utilização nos períodos de lucro fiscal e decorrente pagamento de impostos.

São tantas opções de incentivos do bem – e, mais importante, na base da competitividade de uma empresa ou nação, ou seja, educação, capacitação, pesquisa e desenvolvimento tecnológico – que por si só bastariam, sem necessidade de criarmos mecanismos artificiais. Devemos cobrar de nossos representantes, nas atuais discussões em torno do tema, adequados benefícios fiscais para o desenvolvimento tecnológico de empresas instaladas no Brasil, com o decorrente reforço à competitividade das mesmas em cenários de maior intercâmbio internacional de produtos, com crise ou sem crise. Os caminhos passam por assegurar um investimento crescente e permanente em pesquisa, desenvolvimento e inovação, em colaboração com uma rede de empresas, universidades e institutos de tecnologia dentro e fora do país.

Alfonso Abrami e Julio Piccaro são sócios da Pieracciani Desenvolvimento de Empresas.
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