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A proposta deste artigo é analisar como os índios foram inseridos no contexto social do Brasil independente. Esta reflexão se embasa na fala de Francisco Adolfo Varnhagen (1816-1878), historiador, que publicou em dois volumes (1854 e 1857) a História geral do Brasil.

Antes, é oportuno rememorar que, durante o Brasil Colônia, os índios não foram respeitados profissionalmente e pouco valor obtiveram da Coroa. O Estado absolutista português desejava tornar os índios submissos e para esse fim contou com o apoio dos padres jesuítas. Estes foram responsáveis pela tentativa de descaracterização cultural (aculturação) dos índios, por intermédio da doutrinação ou conversão cristã e da sua utilização como mão de obra. Jorge Caldeira aborda: “Na sociedade imaginada pelos jesuítas, os índios, embora não fossem escravizados, também não seriam livres: deveriam obedecer aos padres, seguir uma moral rígida e abandonar muitos de seus costumes tradicionais”.

Sem espírito democrático, permanecerá no imaginário coletivo a noção de que os índios são representantes da barbárie

Após a independência do Brasil, permaneceu a falta de consideração para com o índio. Aliás, a emancipação do país foi realizada pela elite reacionária e latifundiária (escravista). Existia a ideia de que o Brasil, para aderir ao mundo “civilizado”, teria de copiar a Europa. Os índios (matrizes brasileiras) mais uma vez não foram incluídos nesse modelo de “civilização”. Portanto, representaram o atraso. Varnhagen, referindo-se a eles, mencionou impropriamente: “Nos selvagens não existe o sublime desvelo que chamamos patriotismo, como um sentimento elevado que nos impele a sacrificar o bem-estar pela glória da pátria”. Nesse argumento de Varnhagen, os índios foram apresentados como seres não pensantes e insensíveis. Posteriormente, o historiador esclareceu qual foi o motivo de renegar ao índio uma pátria: “Nem poderiam possuir instintos de amor de pátria gentes vagabundas que, guerreando sempre, povoavam o terreno que hoje é do Brasil”. Ora, na lógica desse historiador a história se inverteu, os índios tornaram-se invasores de terras. Com os negros, Varnhagen também foi cruel e discriminatório: “Sem identidade de língua, de usos e de religião entre si, só a cor e o infortúnio vinham a unir estes infelizes”.

No texto de Varnhagen é visível o relato tradicional da construção da história. É a história tribunal, dos heróis, ou seja, dos mocinhos e dos bandidos, dos que são beneficiados pela pátria e dos inimigos dela. O trabalho de Varnhagen esteve atrelado ao ideal do Estado imperialista da história oficial. Esta visão historiográfica, lamentavelmente, ainda é cultivada.

A partir da Escola dos Annales (1929, na França), em cuja visão as ações dos indivíduos passaram a ser determinantes, a noção de documento se ampliou. Lucien Febvre explica que o conhecimento histórico se produz “com tudo o que, pertencendo ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem”.

Fazer história exige espírito democrático. Do contrário, permanecerá no imaginário coletivo a noção de que os índios são representantes da barbárie e sem direitos sociais. Consequentemente, se estimulará ainda mais a marginalização desse povo quando é necessário o contrário, o reconhecimento dos seus direitos.

Jorge Antonio de Queiroz e Silva, historiador, palestrante e professor, é membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.
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