• Carregando...
 | /Pixabay
| Foto: /Pixabay

Quando Mo Ibrahim sugeria aos seus clientes a ideia de lançar uma empresa de telefonia celular na África, a reação variava entre o ceticismo e o susto. Ibrahim era um nativo do Sudão, mas havia passado a maior parte da sua vida na Inglaterra. Lá ele havia fundado a MSI, uma empresa de consultoria que tinha como clientes algumas das maiores empresas de telecomunicação do mundo.

Na posição de alguém que conhece o continente de perto, sua compreensão a respeito da vida do africano ia muito além de questões como AIDS, ditadura, corrupção e pobreza. Na sua visão, um continente com mais de 1 bilhão de habitantes, formado por países nas mais variadas condições, deveria guardar grandes oportunidades, mesmo com todas as suas enormes carências.

O número de telefones celulares em uso no continente era então desprezível. Na realidade, poucos países haviam chegado a ter sequer uma base de usuários de telefonia fixa. Um cidadão que morasse longe do seu lugar de origem não tinha outra opção além de fazer uma viagem de vários dias para poder se comunicar com sua família. Para ele, era óbvio que em tais circunstâncias, a telefonia celular seria um enorme sucesso.

Como os clientes dele se recusavam a ver a situação desta forma, em 1998, ele optou por desenvolver o projeto por conta própria. Batizada de Celtel, a sua empresa começou a projetar, construir e operar sistemas de telefonia em lugares nos quais rodovias e energia elétrica poderiam ser considerados itens de luxo.

A conexão entre inovação e geração de riqueza já se tornou um lugar comum

Como tais países não contavam com um mínimo de estrutura, em várias situações sua equipe precisou assumir a responsabilidade de gerar a própria energia elétrica ou dar um jeito de arrumar helicópteros para fazer o transporte de equipamentos, já que nem sempre dava para contar com estradas.

A medida em que a empresa crescia e entrava em novos países, toda uma infraestrutura de energia, transporte e educação era desenvolvida. Estas estradas, usinas e escolas atendiam a uma demanda imediata da própria empresa, mas também criavam uma base importante para negócios que viriam a ser criados futuramente nesses locais.

A demanda pelos celulares foi impressionante. Clientes derrubaram, literalmente, as portas da loja que havia sido aberta no Gabão, tal era a necessidade que estas pessoas tinham de poder se comunicar.

Em The Prosperity Paradox (2019), Clayton Christensen, Efosa Ojomo e Karen Dilon explicam como é que se dá a relação entre a criação de alguns tipos de empreendimentos inovadores e o desenvolvimento da economia de um país.

Há tempos, a conexão entre inovação e geração de riqueza já se tornou um lugar comum. Mas neste livro os autores dão um passo além e mostram que cada tipo de inovação funciona de uma forma diferente -- e que há um tipo específico de inovação que deve ser fomentado quando o objetivo é gerar desenvolvimento econômico e social.

Leia também: Pesquisa e desenvolvimento, um desafio ao próximo governo (artigo de Feliciano Aldazabal, publicado em 8 de outubro de 2018)

Leia também: Um novo caminho para a inovação (artigo de Karin Soldatelli Borsato, publicado em 20 de agosto de 2018)

Com base na estrutura proposta por eles, que classifica os projetos de inovação em três diferentes tipos, a gente pode tentar analisar os efeitos sociais e econômicos de cada um destes tipos.

A inovação de eficiência permite que um produto possa ser produzido com menor custo. Na maior parte da situações, isto significa que pessoas acabam sendo trocadas por máquinas. A empresa libera um fluxo de caixa que poderá ser aplicado em outras atividades e que irá garantir a sua sobrevivência em meio a concorrentes que certamente estarão fazendo algo semelhante. Para a economia local, o impacto não poderá ser outro além da destruição de postos de trabalho.

Na inovação de sustentação, o foco vai para a criação de uma versão melhorada de produtos já existentes. A empresa vai trabalhar para oferecer produtos mais avançados para seus clientes e poderá até mesmo vir a tomar uma parte do mercado que se encontra nas mãos da concorrência. Este produto melhorado (mesmo que radicalmente melhorado) irá apenas preservar uma cadeia de valor já existente, sem grandes possibilidades de geração de emprego ou de alguma outra mudança na estrutura da economia.

O caso da Celtel nos dá um belo exemplo do terceiro e último tipo de inovação: aquele que cria mercados que antes não existiam. Para criar novos mercados, essas empresas focam na criação de produtos desenhados especialmente para aquelas pessoas que não possuíam recursos suficientes para comprá-los. Ao invés de entrar na briga por mercados já existentes, elas encaram o desafio de oferecer algo para aquelas pessoas que estavam completamente excluídas do mercado.

A inovação de eficiência permite que um produto possa ser produzido com menor custo

O primeiro e mais óbvio benefício deste tipo de inovação é que as pessoas que antes não tinham acesso a um determinado bem, passam a tê-lo. Até a chegada da Celtel, os cidadãos daqueles países não tinham nenhuma forma de se comunicar com os parentes e amigos que não moravam por perto. Outro benefício é que estes negócios precisam criar do zero aquele tipo de infraestrutura que é necessária para o seu próprio funcionamento, agindo assim como indutores do desenvolvimento daquele país.

Quando o desenvolvimento sustentável da economia é o que se busca, é este o tipo de inovação que deve ser apoiado. Não tenha dúvida, a criação de um novo negócio é sempre uma boa notícia para a economia – qualquer que seja o seu perfil. Mas no caso em que o novo negócio é capaz também de criar um novo mercado, seu efeito positivo pode ir muito além do seu entorno imediato.

Infelizmente, o tipo de inovação que é mais necessário é justamente aquele que tem sido menos comum. Um dos principais motivos para isso é que o retorno sobre o investimento feito em um mercado já existente pode ser previsto de uma forma razoavelmente próxima da realidade. Para novos mercados, este esforço não é tão simples. Afinal, é possível obter dados a respeito de um mercado que está em operação, mas não é possível obter informações sobre um mercado que não existe.

Outro motivo para este tipo de inovação ser deixado de lado é que o investimento em pesquisa e desenvolvimento tem a tendência natural de ser direcionado para a criação de produtos que sejam superiores ao que já existe por aí. O problema é que o tal produto mais avançado vai estar, necessariamente, direcionado para aqueles que possuem um patamar elevado de renda. Mas a boa pesquisa também pode ser direcionada no sentido de criar produtos e serviços que sejam mais baratos, simples e acessíveis do que as opções que já estão disponíveis.

Leia também: A angústia da inovação (artigo de Paulo Bettio, publicado em 26 de fevereiro de 2019)

Leia também: A ilusão de que conceder privilégios é o que gera desenvolvimento (artigo de Leonardo de Siqueira Lima, publicado em 25 de junho de 2018)

Os autores acreditam que o efeito conjunto da atuação de empresas deste tipo pode levar à mudança nas condições econômicas de toda uma sociedade. Creio que possa haver alguma dose de otimismo neste pensamento, já que nenhum país jamais se desenvolveu sem antes contar com algumas condições institucionais mínimas tais como uma moeda forte e inflação sob controle, e isso vai além das possibilidades normais de qualquer empreendimento.

De fato, empresas como a Celtel podem nunca chegar ao ponto de mudar a realidade de um país africano. Mas o impacto de uma empresa que chegou ao ponto de gerar mais de 30 mil empregos diretos e indiretos e permitiu que milhões de pessoas que estavam abaixo da linha da pobreza tivessem acesso à telefonia não pode ser subestimado. Governos, empreendedores e investidores que tiverem como objetivo a promoção do desenvolvimento econômico e social não podem se dar o luxo de desconsiderar os resultados e recomendações desta pesquisa.

Mo Ibrahim também não tem do que reclamar. Aquele seu projeto, que costumava ser motivo de chacota entre clientes e colegas, se tornou uma potência que acabou sendo vendida por impressionantes 3,4 bilhões de dólares. A criação de novos mercados, além de todos os benefícios que já foram comentados, também pode ser um belíssimo negócio.

Rodrigo Fernandes, head of sales da VectorVue, no Canadá, é formado em Ciência da Computação pela UFMG.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]