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A beleza do comum
| Foto: Pixabay

Apaixonar-se é a coisa mais fácil do mundo; já se manter apaixonado, como todos sabemos, pode ser uma das mais difíceis. Como manter vivos o brilho e a sensação de descoberta permanente depois de nos comprometermos com a familiaridade? E como sustentar aquela expectativa que deliciosamente antecipou a lua de mel? Em outras palavras, como podemos nos encantar com o oposto da descoberta – a rotina – e encontrar na constância um estímulo tão rico quanto o que a novidade oferece? A história de todo casamento talvez seja a história do que acontece depois que o verão infinito termina.

"Para aprender algo novo, siga pelo caminho que você tomou ontem", observa o sábio explorador John Burroughs. Um amigo que sabe das coisas em Nova York me mandou essa citação quando ficou sabendo que eu já passei 26 anos no mesmo subúrbio anônimo no oeste do Japão, quase sempre indo a pé à maioria dos lugares. Eu chegara a Kyoto, saído de Midtown Manhattan, com 20 e muitos anos, empolgado com tudo o que aquele lugar absurdamente impenetrável poderia me ensinar; jamais nem sonhei que encontraria prazer em tudo o que é rotineiro e aparentemente desinteressante no meu bairro distante, sem nada especial.

É claro que isso tem um pouco a ver com os olhos de cada um e com o passar dos anos: quando somos jovens, queremos nos destacar, deixar nossa marca no mundo, ser excepcionais. Conforme as estações vão passando, descobrimos que tudo o que não é extraordinário em nós – a capacidade de cuidar da família, de se manter saudável, de rebater uma bolinha de pingue-pongue –, e mesmo no mundo à nossa volta, é que será lembrado.

Cada dia de outono – a sensação cíclica das coisas de que nos lembramos – nos deixa um pouco mais próximos da primavera

Sem dúvida, o que há de mais banal em nós é o que nos permitirá continuar indo para o escritório, manter uma boa convivência com os vizinhos, ter algo sobre o que escrever. Quando era pequeno, eu achava que o escritor era obrigado a criar a partir da força e se gabar de todas as coisas que podia fazer com mais autoridade do que quase todo o resto do mundo; com o passar dos anos, comecei a ver que a força de qualquer pessoa é apenas aquilo que a une a todas as outras em uma experiência compartilhada e, quase sempre, envolve vulnerabilidade.

Mas o que me levou ao Japão foi algo além disso. Ao contrário do Reino Unido e dos EUA, onde cresci, os cidadãos do país que adotei são estimulados, mais ainda do que qualquer outro na Ásia confucionista, a se manter calados, a permanecer invisíveis, a tentar aparentar e soar como todo mundo. Eles sabem que uma coisa de que os outros realmente não precisam é uma impressão excessiva de personalidade. Uma vez que tinha sido treinado para falar demais, escolhi me mudar para o Japão porque achei que seria bom ir para um lugar onde pudesse aprender a ouvir; já que tinha sido encorajado na escola a tentar ser individual, não parecia assim tão terrível desenvolver meu lado trivial. Percebi que, para ser eu mesmo, talvez bastasse ser como todos à minha volta.

Quando conheci a mulher que se tornaria minha esposa em um templo em Kyoto, três semanas depois de lá ter chegado, em 1987, obviamente assumi que tudo o que era diferente, único e até estranho nela foi o que me atraíra, da mesma forma que acontecera com ela em relação a mim. Entretanto, quando chegamos a uma fase mais profunda da vida, percebemos que a lição mais importante é valorizar absolutamente tudo, porque nada pode durar para sempre; de Vermont a Pequim, as pessoas dão valor aos dias outonais justamente porque são lembretes de que não podemos dar nada como certo e de quanto há para celebrar neste exato momento, em uma tarde ensolarada do fim de setembro.

Eu poderia ter aprendido isso em qualquer lugar, claro, mas no Japão as estações são vistas como algo muito próximo a uma religião: toda vez que as cerejeiras começam a florescer, o pessoal corre para os parques porque sabe que, dali a uns dez dias, as flores rosadas já terão desaparecido. Da mesma forma, assim que as folhas do bordo se tornam flamejantes, no fim de novembro, meus amigos japoneses se apressam a ir aos jardins dos templos com o mesmo espírito com que os ocidentais se dirigem às catedrais: para fazer parte de uma congregação; ser lembrado de que há algo maior que nós mesmos, colocando-nos no devido lugar; capturar momentos de luz em uma estação de escuridão crescente.

Adoro os dias ensolarados das visitas que faço à minha mãe, no sul da Califórnia, mas não posso dizer o mesmo sobre o fato de que fevereiro e agosto estão se tornando cada vez mais parecidos. O Japão me ensinou que é o fim das coisas que lhes dá sabor e beleza. E é o fato de minha esposa estar em mudança constante, assim como eu, testemunhando a queda das folhas e dos cabelos, que confere uma urgência aos meus sentimentos em relação a ela. Todo ano, o outono me lembra de que o progresso não se dá em linha reta e que não sou necessariamente mais sábio hoje do que no ano passado, ou mesmo há 30 anos. Todo ano, o outono canta a mesma canção, mas para um público diferente.

No meu primeiro ano no Japão, escrevi um livro sobre o êxtase da minha descoberta de um amor, uma vida e uma cultura que esperava serem meus para sempre; minha editora lançou minha celebração à primavera no outono. Hoje, 28 anos depois, gosto mais do outono, talvez por encerrar a primavera dentro de si, e lembranças, e a consciência inequívoca de que quase nada dura para sempre. Cada dia de outono – a sensação cíclica das coisas de que nos lembramos – nos deixa um pouco mais próximos da primavera.

Pico Iyer é autor de mais de uma dezena de livros, incluindo Autumn Light e, mais recentemente, A Beginner's Guide to Japan.

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