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Felipe Lima

Os últimos anos não foram nada bons para o Brasil. O Itamaraty ficou refém de uma “diplomacia partidária” que afastou a instituição das melhores tradições da Casa de Rio Branco. Constrangido às políticas do PT, o consenso nacional que sempre existiu na diplomacia brasileira foi substituído pela chamada “diplomacia companheira”, nociva aos interesses nacionais. Nas administrações Lula e Dilma emergiu um Itamaraty superficial do “nunca antes visto” e submergiu o Itamaraty profundo, da conciliação, da cortesia internacional e da urbanidade.

A partir de 2003 a política externa brasileira passou a ser definida e exercida com base em critérios essencialmente partidários. As novas orientações dos “donos do poder” passaram a divergir daquelas sempre defendidas pelo Itamaraty profundo. A partidarização e o predomínio do viés ideológico trouxeram consequências negativas que afetaram a credibilidade do Brasil e sua política de comércio exterior. O rigor técnico e a excelência dos nossos diplomatas, características de nossa chancelaria, tiveram de ceder o passo frente à visão de mundo dos líderes do Partido dos Trabalhadores. O Brasil passou a apoiar regimes autoritários e a fugir de tomadas de posição importantes sobre proteção e defesa dos direitos humanos. O Mercosul foi deixado de lado em prol de uma “diplomacia Sul-Sul” ingênua e desequilibrada. Foi o abandono da “diplomacia de Estado” e da visão de longo alcance.

A nomeação de José Serra é um passo dado pelo Brasil na boa direção

Mas os tempos mudaram. O governo interino de Michel Temer, menos ideológico e mais pragmático, reabre as portas do nosso Ministério das Relações Exteriores em busca das oportunidades perdidas e nomeia como chanceler José Serra, com a incumbência de reconduzir o Itamaraty à diplomacia profissional e de Estado. O novo ministro, já em seu primeiro discurso, decretou o fim dos tempos não convencionais de política externa especulativa e inconsistente.

Com Michel Temer, o Itamaraty voltou ao núcleo central do governo e, desde o início, deixou claro que não aceitará ingerências de outros países em questões internas do Brasil. Cuba, Venezuela, Equador, Bolívia e Nicarágua devem cuidar dos seus próprios problemas e não dar palpite no processo de impeachment que afastou temporariamente a presidente Dilma Rousseff.

Sob a batuta de José Serra, o Brasil vai buscar protagonismo e pioneirismo na gestão do clima, na tentativa de abocanhar recursos junto a entidades internacionais de preservação da biodiversidade. Na perspectiva regional, Serra já busca aproximação e parceria com Mauricio Macri, da Argentina, pois seu objetivo é renovar o Mercosul e fortalecer a aproximação com a Aliança Para o Pacífico (Chile, Peru, Colômbia e México).

O governo interino de Michel Temer não terá vida fácil com José Serra no Itamaraty. Em apenas um mês na chancelaria, Serra determinou que são prioritárias as reduções das barreiras tarifárias com Japão e Estados Unidos, assim como a celebração de acordos bilaterais de livre comércio e de investimentos com o resto do mundo. Entretanto, um dos atos mais marcantes, que vale a pena ser mencionado e dá o tom do novo governo interino, foi a nomeação para a Agência Nacional de Energia Atômica da ONU – com sede em Viena, na Áustria – do embaixador Marcel Biato, que ficou na geladeira no governo Dilma após a operação para retirar da Bolívia o senador Roger Pinto Molina, que havia pedido asilo político no Brasil, quando Biato era o nosso diplomata em La Paz. Injustiçado naquela ocasião, Marcel Biato volta a ocupar cargo importante no Itamaraty a convite de José Serra.

Pouco a pouco emerge um novo Brasil e a esperança dá lugar ao fim do processo de decomposição e negação do justo, digno, próspero, ético e correto no qual estávamos submersos por anos de ditadura petista.

A vitória de Pedro Paulo Kuczynski, no Peru, e de Mauricio Macri, na Argentina; o fim das tentativas de reeleição de Evo Morales, na Bolívia; a vitória expressiva da oposição nas eleições parlamentares na Venezuela; e a destituição de Dilma Rousseff e a derrubada do mito Lula, no Brasil, implicam vitórias importantes contra o populismo, e a favor da renovação da democracia e da limpeza contra a corrupção na América Latina.

A nomeação de José Serra é um passo dado pelo Brasil na boa direção.

Maristela Basso, advogada, é professora de Direito Internacional da Universidade de São Paulo (USP).
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