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Justiceiros sociais
| Foto: Fabio Abreu/Thapcom

Não sei quanto ao leitor, mas a minha sensação é claramente a de que o mundo enlouqueceu à minha volta. A geração millennial perdeu o juízo e passou de qualquer limite razoável nessa coisa de vitimização de minorias e subjetivismo emocional. O lance, agora, é disputar quem preenche mais quesitos de coitadinho e dar vazão a todos os apetites como se isso fosse sinônimo de virtude genuína, não de bestialidade.

Diante de tanta bizarrice, o sarcasmo talvez seja o único remédio. Levar às últimas consequências as premissas dessa turma “progressista”, para expor o absurdo de suas teorias. É rir para não chorar, enfim. E nesse sentido que gostaria de recomendar o livro Woke: A Guide to Social Justice, de Titania McGrath (pseudônimo criado por Andrew Doyle). O termo “woke” passou a definir essa galera pretensiosa e arrogante que adora sinalizar virtudes sociais sem ter de fazer nada de concreto em prol do próximo. Seria análogo ao nosso “lacrador”.

Titania é uma autointitulada “poeta radical e interseccionalista”, outra invenção moderna para definir as diferentes camadas de vitimismo. Quanto mais grupos de “vítimas” você representar, mais pontos na escala você ganha. Por exemplo: uma mulher já merece alguns pontos, mas uma mulher negra vale muito mais. Já uma “mulher” negra e trans, ou seja, um homem que se sente mulher, aí pode quase ser alçada ao patamar de rainha, e demandar que todos beijem seus pés.

Uma doce hipocrisia da maioria dos lacradores: pertencer à elite, enquanto dizem representar os oprimidos

A característica necessária para ser um lacrador é a arrogância, sentir-se a melhor pessoa do planeta porque curte páginas “progressistas” e adota a cartilha politicamente correta. Titania começa alegando que há momentos em que a extensão de seu talento chega a assustá-la e, quando relê sua “obra”, conclui que é a única artista viva que importa.

É típico do lacrador ignorar todo o cânone clássico, desprezar as tradições. Em vez de enxergar mais longe porque subiu no ombro de gigantes, o woke é o próprio gigante, e todos que vieram antes eram anões (os homens brancos heterossexuais eram pulgas, na melhor das hipóteses, ou machistas opressores terríveis, na mais provável).

A sensação de superioridade moral é o que atrai tanta gente perdedora para o lado da lacração. Titania afirma, sem rodeios, que é uma pessoa melhor que todos nós. E ela explica como todos podem, ao menos, seguir seus passos, tornar-se uma ativista: “Qualquer um pode ser um ativista. Basta adicionar uma bandeira de arco-íris ao seu perfil do Facebook ou condenar uma pessoa idosa que não entende o que significa ‘não binário’, e você pode mudar o mundo para melhor. De fato, as mídias sociais agora tornaram possível mostrar o quão virtuoso você é sem ter que fazer nada”. A ironia é perfeita!

O uso de rótulos para depreciar quem discorda de você é outro método frequente. É só ver como “nazista” passou a significar não só adeptos de Hitler e do Holocausto, mas qualquer um que defenda o Brexit, os conservadores ou que se recuse a levar a sério a mídia esquerdista.

Homens podem se esforçar para serem justiceiros sociais, mas sua “masculinidade tóxica” será sempre um impeditivo de pureza. Os exageros ao longo do livro arrancam risos, mas, quando lembramos que esse já é o estado de insanidade do mundo, confesso que dá também muita angústia. Titania banca a vítima, por exemplo, por ter sido amamentada até os seis meses, sem qualquer preocupação de sua mãe com o fato de ela ser vegana. Um claro abuso!

Aos 4 anos, ela sofria de anorexia e também de comer em excesso. “Quando essas duas condições ocorrem simultaneamente, pode ser difícil identificar, porque a vítima acaba ingerindo uma quantidade regular de comida de forma consistente”, explica. Mais velha, ela “arrasou” na escola, exceto em Biologia, Física, Química, Economia, História, Estudos Religiosos, Computação e, claro, Matemática. Mas, fora isso, ela foi muito bem, principalmente nos estudos sobre construções patriarcais que perpetuam o privilégio branco.

A sensação de superioridade moral é o que atrai tanta gente perdedora para o lado da lacração

Chegando à universidade, seu estudo de Línguas Modernas em Oxford e sua extensão em Estudos de Gênero deram o típico embasamento de que precisamos para a vida real, segundo ela. “Não importa o que você faça na vida ou o quanto alcance, sempre será vítima do patriarcado”, diz. “Compreender isso é a chave para o seu empoderamento”, conclui.

Ao descrever todas as liberdades de que as mulheres ocidentais desfrutam, apontadas pelos homens, Titania esfrega em nossa cara o fato de que, por parecerem mais livres e prósperas, a situação atual se torna ainda pior. Elas são mais oprimidas justamente porque há mais liberdade, o que não passa de ilusão! O fato de que muitas mulheres acham que estão aproveitando suas vidas, felizes, apenas comprova sua tese...

E a conclusão é inapelável: mesmo um mendigo homem dormindo no lixo é mais privilegiado do que a rainha da Inglaterra! A mulher que pensa que um homem pode ser gentil, decente, agradável, expõe apenas como foi enganada. A terceira geração do feminismo é puro ódio aos homens, e o sarcasmo de Titania desnuda com precisão o fenômeno. Mesmo o pai dela é um fardo, e serviu só para seu nascimento – e também para manter um fundo monetário “modesto”.

Eis outra doce hipocrisia da maioria dos lacradores: pertencem à elite, enquanto dizem representar os oprimidos. Titania é a típica burguesinha rica, com casa de veraneio, frequentando os círculos nobres dos ricaços, e cospe com ingratidão no capitalismo, que tornou tudo isso possível. A elite culpada e entediada, sem valores morais sólidos, costuma ser o grosso da população lacradora.

“Quando as mulheres forem mais valorizadas do que os homens, só então alcançaremos a verdadeira igualdade”, diz com escancarada ironia. E não é exatamente o que desejam as feministas de hoje? “Não é racista odiar alguém com base na cor da pele, se essa pessoa for branca”, afirma. E não é exatamente o que fazem os movimentos raciais de hoje? “A única maneira de parar o fascismo é se a polícia puder prender pessoas pelo que dizem e pensam”, conclui. E não é exatamente o que prega a Antifa, movimento que diz combater o fascismo enquanto adota cada método fascista?

Toda essa “lacração” incoerente e idiota poderia ser apenas motivo de piada. O problema é que está destruindo nossa sociedade. Tem um tom cômico, certamente. Mas é o trágico que assusta...

Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.

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