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Ilustração: Marcos Tavares/Thapcom
Ilustração: Marcos Tavares/Thapcom| Foto:

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal instaurou licitação objetivando a contratação de buffet para fornecimento de gêneros alimentícios e bebidas. Até aqui nada demais. O que, de fato, causou estarrecimento nacional foram os diversos itens que compunham o objeto da competição e as respectivas exigências mínimas a serem atendidas pelos licitantes interessados.

Tal processo prevê o fornecimento de almoços, jantares, cafés da manhã, brunchs e coquetéis. No menu elaborado pelo STF estão pratos dignos dos melhores restaurantes do mundo, tais como, medalhões de lagosta com molho de manteiga queimada, bobó de camarão, camarão à baiana, bacalhau à Gomes de Sá, frigideira de siri, moqueca capixaba e baiana, arroz de pato, pato assado com molho de laranja, galinha d’Angola, vitela, codornas, carré de cordeiro, medalhões de filé, tournedos de filé, dentre outros.

Por óbvio, um cardápio desse nível deve ser servido com o acompanhamento de bebidas de qualidade, perfeitamente harmonizadas com cada prato, completando todo o glamour. Para tanto, exige-se espumantes produzidos pelo método champenoise com ao menos quatro premiações internacionais, vinhos de seis uvas de variedades diferentes e de safra igual ou posterior a 2010 com pelo menos quatro premiações internacionais. Como alguns comensais podem preferir outro tipo de bebida, o edital também prevê o fornecimento de uísques de puro malte, envelhecidos por 12, 15 ou 18 anos e cachaças curtidas em barris de madeira nobre por 1, 2 ou 3 anos.

O Supremo Tribunal Federal segue caminho na contramão da austeridade, dando um péssimo exemplo

Esta pretensão da Suprema Corte brasileira de levar a efeito uma contratação com estes contornos, faz surgir, ou ressurgir, uma discussão acerca da (im)possibilidade de um administrador público descrever ao seu bel prazer o objeto de uma licitação e futura contratação. Em outras palavras, esta atividade trata-se de um poder discricionário ou vinculado? Esta é a questão em que, muito suscintamente, pretendemos focar nossas atenções, todavia, sem nenhuma pretensão de esgotar a matéria.

Na fase preparatória de qualquer contratação se faz necessário, primeiramente, identificar a necessidade pública a ser atendida, com todos os elementos e especificidades que a norteiam, indicando as possíveis soluções oferecidas pelo mercado e, sobretudo, declinando, expressamente, os motivos de oportunidade e conveniência que embasam a solicitação. Tal providência consubstancia-se no ato pelo qual o agente competente descreverá o objeto a ser licitado/contratado e a sua importância em relação à satisfação do interesse público envolvido.

Essa manifestação de vontade deve ser exteriorizada, materializada em um documento escrito, o qual deverá conter, dentre outras informações, as razões de interesse público que ensejam a requisição e o valor estimado para a contratação.

Temos sustentado que a definição do objeto a ser licitado e contratado se insere no campo do poder discricionário do agente público, todavia, poder este limitado. Assim, após uma análise de oportunidade e conveniência, cabe a escolha daquela solução que melhor atenderá a certa necessidade, não podendo, em hipótese alguma, dita análise ser feita de forma divorciada de alguns elementos e fatores.

Torna-se inafastável, neste momento, o respeito aos princípios jurídicos incidentes nas licitações/contratações públicas, tais como, o da legalidade, moralidade, finalidade, proporcionalidade e razoabilidade, dentre outros.

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Em que pese a Assessoria do STF ter informado que a licitação em questão foi instaurada com a observância de todas as normas sobre o tema, resta claro que a matéria principiológica foi deixada de lado.

Em tempos de cortes de orçamento na área da educação superior e em tantas outras, o Supremo Tribunal Federal segue caminho na contramão da austeridade, dando um péssimo exemplo e, sobretudo, ferindo de morte os princípios mais comezinhos do Direito Administrativo, tais como, o da legalidade, no sentido de juridicidade, da finalidade, da moralidade, razoabilidade e proporcionalidade.

Neste vergonhoso cenário em que se verifica uma verdadeira orgia gastronômica com o dinheiro público, contrastando com a situação da maioria da população brasileira que sofre com a crise econômica e luta para obter um mínimo de sustento digno, coitado do lambari, que jamais terá vez na Corte Suprema.

Edgar Guimarães é advogado, presidente do Instituto Paranaense de Direito Administrativo, professor em cursos de pós-graduação e conselheiro da OAB/PR.

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