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Tem coisa que dá medo só de pensar. Nestes dias de turbulência moral provocada pelos escândalos que a Operação Lava Jato vai expondo ao sol, a ideia de que essa operação possa ser anulada, tornada sem efeito desde o começo, “melada”, enfim, causa um estremecimento sinistro.

Pior é que o risco existe e não é pequeno. A partir do momento em que ficou clara a determinação do juiz federal Sérgio Moro em perseguir a verdade, sem poupar cabeças até então consideradas intocáveis no mundo das transações tenebrosas dos homens de colarinho branco, iniciou-se o trabalho para desconstruir o esforço da Justiça. Eis por que Lula e advogados de defesa dos acusados se mexem freneticamente, o ministro da Justiça também, e Dilma se encontrou às ocultas, dias atrás, no Porto, em Portugal, com Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal. É o insidioso esforço para liquidar a Lava Jato e deixar tudo como antes, para a felicidade geral de corruptos e corruptores.

Os implicados sabem que as condenações, pelo andar da carruagem, virão. Que fazer, então, diante das provas que se vão acumulando contra eles? A lógica é simples. Se os fatos não podem ser contestados, a saída é tentar anular tudo mediante o argumento de que alguma irregularidade técnica foi cometida pela Justiça Federal, ou pela Polícia Federal, no processo. É a chamada defesa processual, praxe em qualquer ação nos tribunais.

Se os fatos não podem ser contestados, a saída é tentar anular tudo alegando irregularidades técnicas

Em princípio, é recurso lícito. Todo processo judicial deve ser conduzido conforme as regras estabelecidas pela lei. O que dá calafrios é saber que, no Brasil, processos criminais envolvendo figuras poderosas costumam dar em nada, por força de tecnicalidades e argumentos que horrorizam o cidadão de boa fé, desconhecedor das firulas de raciocínio, construções teóricas e subjetivismos que permitem aos julgadores, diante de um mesmo caso, ser a favor, contra ou muito pelo contrário, ao sabor de questiúnculas e outros mistérios e interesses. Por esses passes mágicos e abstrações, graúdos criminosos têm se safado da Justiça e confirmado a trágica sina de que, no Brasil, os grandes pilantras não vão para a cadeia.

Exemplos estão aí. O procurador Diogo Castor de Mattos, um dos integrantes da Operação Lava Jato, em dissertação de mestrado, relembra quatro processos rumorosos, mais ou menos recentes, que foram anulados: Sundown/Banestado, de 2006; Boi Barrica/Faktor, de 2008, que envolvia integrantes da família Sarney; Satiagraha, de 2008, que envolvia o banqueiro Daniel Dantas, o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e o investidor Naji Nahas; e Castelo de Areia, de 2009, que implicava executivos da empreiteira Camargo Corrêa, Michel Temer e José Roberto Arruda (sempre ele).

De modo que é de todo recomendável manter sob vigilância a hipótese terrível de que a Lava Jato possa ser anulada. Temos, pois, dois cenários possíveis a considerar: no primeiro, feliz, a operação segue seu curso e condena todos os culpados, e o Brasil inicia a partir daí nova era em sua história, moralmente depurado e engrandecido; no outro, catastrófico, a Lava Jato é anulada e todo o esforço e esperanças escorrerão, outra vez, para o ralo. Nesse caso, restará ver como o Brasil enfrentará mais essa ignomínia, mais essa infâmia – se com a cordura e a resignação que não fazem mais sentido, ou libertando com fragor as forças que se agitam e ardem nas profundezas de sua alma.

Os sensatos não pagariam para ver.

Cardoso Filho é escritor e cronista.
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