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Para quem ainda não havia entendido, a escolha do novo conselheiro do Tribunal de Contas do Paraná, em votação secreta, na Assembleia Legislativa do Paraná, aponta na direção do principal motivo pelo qual tantos brasileiros saíram às ruas no mês de junho: a profunda crise de representação que estamos vivendo em nosso país, marcada pelo distanciamento entre representantes e representados, a população e os poderes constituídos, insensíveis ao que o povo realmente precisa e poderia efetivamente ter. É uma crise sistêmica, passível de solução apenas por reformas estruturais, as que têm sido debatidas nos últimos anos, a começar pela político-eleitoral, focada no momento como a "mãe das reformas".

O governo federal e o Congresso Nacional até parecem ter entendido a mensagem das ruas, tanto que buscam desesperadamente uma fórmula capaz de dar uma resposta rápida aos protestos, sugerindo uma constituinte, um plebiscito ou um referendo, entre as principais alternativas propostas para rearranjar justamente a base desse sistema precocemente envelhecido – nossa democracia é relativamente jovem –, caracterizado por certo alheamento das instituições à realidade dos brasileiros e lentidão em concretizar os nossos sonhos.

Na expectativa de novidades, fiz questão de acompanhar de perto o processo de escolha do novo conselheiro do TCE-PR, assistindo inclusive a algumas sabatinas a candidatos, prestigiando em particular aqueles com formação técnica adequada para a função. Havia pelo menos 12 experientes profissionais da contabilidade. Mas confesso: quando esperava que a forma viciada, arcaica e vergonhosa de indicação ao cargo fosse já sepultada, fiquei decepcionada.

O ritual seguiu à risca o script: quem quis pôde se inscrever, desde que brasileiro, com idade entre 35 e 65 anos, reputação ilibada, notórios conhecimentos jurídicos, contábeis ou de administração pública e dez anos em função ou profissão relacionada a essas áreas. Como determina o regimento, foi criada uma comissão especial para interrogar os 40 candidatos habilitados, e a todos foi dada a oportunidade de expor suas ideias ao plenário da casa. Com exceção dos dois parlamentares inscritos, os demais teriam aceito participar da disputa se soubessem que não seriam levados a sério, que estariam perdendo tempo, fazendo papel de meros figurantes?

Antecipando os novos tempos, os deputados paranaenses já poderiam ter demonstrado alguma sintonia com os acontecimentos recentes. Além de votação aberta, poderiam ter levado em conta a formação, o conhecimento e o currículo dos candidatos, pensando na função que vão exercer – eminentemente técnica.

Mais uma vez, pesou na balança o critério político. Mas, assim como nos tribunais de justiça a exigência básica para um juiz, desembargador ou simples assessor é a formação em Direito, conselheiros dos tribunais de contas deveriam, como pré-requisito, ser graduados em Ciências Contábeis, o único curso que prepara pessoas para entender de informações financeiras e patrimoniais, capacitando-as a avaliar com competência a gestão dos órgãos públicos, como manda a Lei de Responsabilidade Fiscal e as recentes Normas Brasileiras de Contabilidade Pública.

Infelizmente, esse jogo de cartas marcadas, que esperamos tenha os dias contados, tem ocorrido em todos os tribunais de contas do país. Vitalício, o disputado cargo tem sido um prêmio para políticos de carreira.

Embora escandalosamente imoral, o sistema de escolha de conselheiros para os TCs é legal, é verdade: está previsto na Constituição. É um dos pontos da Carta que em breve haveremos de alterar. A seleção poderia ser por concurso público, ou indicação, sim, mas por meio de lista tríplice proposta talvez por órgãos de classe. Enfim, existem alternativas melhores do que a vigente.

Lucélia Lecheta é presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Paraná (CRCPR).

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