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A Era da Demonização encontrou o intérprete ideal e a vitrine perfeita para ser entendida e visualizada. O insano discurso do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, em Genebra, na abertura da conferência da Organização das Nações Unidas sobre o racismo, é uma das peças mais racistas e mais intolerantes desde o suicídio de Joseph Goebbels em maio de 1945.

Na véspera da rememoração dos 70 anos do início da 2ª Guerra Mundial (deflagrada pelo delírio racista), esta afronta à noção da igualdade dos seres humanos exemplifica o nível de ressentimento que ainda prevalece em certas partes do mundo, apesar dos avanços da ciência, do conhecimento e da razão.

A arenga do líder iraniano negou e minimizou o Holocausto – obra máxima do racismo hitlerista –, retomou a viciosa comparação entre o nacionalismo judeu – o sionismo – com racismo e verberou os valores ocidentais. Foi prontamente repudiada por mais de 30 países e também pelo secretário-geral da ONU que chegou a ameaçar o orador com "medidas disciplinares".

Ahmadinejad ignora que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é um produto do odiado Ocidente, assim também a criação da Organização das Nações Unidas, no fim da 2ª Guerra Mundial, com o objetivo precípuo de erradicar do cenário mundial a alternativa da guerra e obrigar os Estados-membros a conviver pacificamente apesar de eventuais divergências.

A resposta firme do governo brasileiro talvez obrigue o pequeno déspota a comportar-se como chefe de Estado quando aqui chegar dentro de duas semanas. A convocação do embaixador do Irã ao Itamaraty para receber uma nota formal de repúdio tem na linguagem diplomática um grau de veemência que não deve ser desconsiderado. O que não significa um apoio brasileiro às equivocadas e nocivas posições do governo israelense no tocante à imperiosa necessidade de se criar um Estado Palestino.

A delirante demonização embutida no discurso de Ahmadinejad no dia 20 de abril não é uma iniciativa isolada. Faz parte de uma ardilosa investida iniciada pouco antes (26 de março), no Conselho de Direitos Humanos da ONU patrocinada pelo Paquistão, Venezuela e Bielorússia para coibir o que designaram como "difamação religiosa".

O democrático trio e seus invisíveis apoiadores (entre os quais se alinha o Irã), pretende, na realidade, considerar como "blasfêmia" e "heresia" grande parte do ideário da rede mundial de defensores dos direitos humanos.

Com a justificativa de proteger a liberdade religiosa tenta-se santificar o despotismo teocrático. Demonizar a democracia e incapacitá-la como defensora do direito de crer e descrer, essa é a manobra. Como no Ocidente forjou-se e consagra-se o princípio democrático e isonômico da separação entre Religião e Estado, o Ocidente tornou-se o alvo preferencial de fanáticos como Ahmadinejad.

E quanto mais obsoleta se torna no Ocidente a teoria da inevitabilidade do "choque das civilizações" mais insistem em perseguir e satanizar os que advogam a secularização e a democratização dos Estados. A expressão atribuída ao americano Samuel Huntington, na realidade, comanda a lógica dos novos cruzados e velhos dogmáticos espalhados pelo mundo afora.

Antes de embarcar para o Brasil convém que o presidente Ahmadinejad faça um programa de imersão para encontrar a paz de espírito que tanto carece. Será aqui recebido com respeito, mas antes é preciso que exorcize os seus próprios demônios.

Não usamos sapatadas, mas sabemos repudiar com firmeza a tentativa de reviver as doutrinas que deveriam ter sido sepultadas no bunker de Berlim em maio de 1945.

Alberto Dines é jornalista.

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