Não pode ser atenuado o primeiro aniversário do início do ciclo de tragédias aéreas que se completa neste sábado. Apesar do anúncio da Gol de pagar o primeiro lote de indenizações a 82 das 154 vítimas do vôo 1907, o gesto confina-se à esfera do "marketing social", truque de relações públicas. A dor e a mágoa contra a fatalidade são irreparáveis, as famílias enlutadas estão marcadas para sempre.
Na sociedade brasileira permanece um travo de revolta pelo humilhante colapso aéreo que paralisou o país ao longo dos dez meses seguintes, mas, sobretudo, pela segunda catástrofe que tirou a vida de outros 199 cidadãos.
Não foi o governo o culpado pela colisão do Boeing da Gol com um jato Legacy no espaço aéreo da Amazônia, nem pela explosão do Airbus da TAM ao chocar-se com um depósito vizinho ao Aeroporto de Congonhas.
Mas pode-se afirmar que o Estado brasileiro, gerido por um Executivo pusilânime visivelmente preocupado com o segundo turno das eleições presidenciais foi incapaz de evitar o clima de exaltação política que impediu tanto as ações emergenciais destinadas a evitar o caos no tráfego aéreo como, em seguida, refrear a irresponsabilidade do duopólio que domina nossa aviação comercial.
É preciso reconhecer que foi calamitoso o desempenho do então ministro da Defesa, Waldir Pires em seguida à colisão. Bem intencionado, cônscio dos perigos que uma catástrofe daquelas proporções representaria para o candidato à reeleição no enfrentamento definitivo a 30 de outubro, o ministro entregou-se ao bate-boca com o jornalista americano que estava a bordo do Legacy e, logo depois, com os dois pilotos do jato, de mesma nacionalidade.
Ministro de Estado não se mete em confusões de esquina e, além disso, ele não era do ramo, a força aérea tem experiência e quadros altamente qualificados para lidar com situações deste tipo.
Não contente, Pires convenceu seu colega da Justiça a acionar prematura e indevidamente a Polícia Federal e estabeleceu um rigoroso black-out em torno da reação desesperada dos controladores de vôo envolvidos no acidente.
A intensa politização da primeira catástrofe evitou que ela colasse no candidato do governo, afinal vitorioso no segundo turno. Em compensação, criou as condições para amortecer as repercussões do colapso no tráfego aéreo e desviar as atenções da sucessão de irresponsabilidades que culminaram com a segunda catástrofe.
A manutenção do ministro Pires no segundo governo como prêmio pela performance durante o intervalo entre os dois turnos deve ser registrada nos anais de ciência política como um exemplo clássico dos efeitos deletérios da camaradagem partidária.
Sua magnífica biografia ficaria menos arranhada se a sua passagem pelo ministério ficasse reduzida ao primeiro mandato. Injusto transformá-lo em bode-expiatório único, mas num balanço imperiosamente rigoroso como o que se impõe nesta data, é descabido e ofensivo o uso de punhos de renda.
Os atos do sucessor, o ministro Nelson Jobim, transformaram-se, em sua maioria, em arrasadoras peças acusatórias contra a inépcia e desídia do Estado brasileiro e do seu principal gestor, o governo, no período que vai de 29 de setembro de 2006, à sua posse em 25 de julho de 2007.
Se o ministro Jobim pretende lustrar ainda mais sua carreira pública deve levar em conta as lutuosas circunstâncias que envolveram a sua posse. Jamais será perdoado se não levar às últimas conseqüências o compromisso de revelar a verdade.
Neste caso, ele não é apenas o ministro encarregado de evitar a repetição das tragédias. É também o procurador de uma sociedade que clama por justiça.
O doloroso mix de pusilinamidade e incompetência escancarado um ano depois da tragédia da Gol só pode ser reparado através de relatórios severos a respeito das tragédias em si e da frouxidão que imperou nas diversas esferas da aviação e aeroportos.
Se a intransigência, a honestidade e a decência não forem compartilhadas pelos apoiadores do governo nas comissões de inquérito instaladas no Parlamento o aniversário da segunda tragédia será lembrado em julho de 2008, véspera de eleições, com algo mais penoso do que revolta.
Alberto Dines é jornalista.
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