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“Liberal na economia e conservador nos costumes”
| Foto: Matthew G. Bisanz/Wikipedia

O rótulo “liberal na economia e conservador nos costumes” é uma falácia! Tal tipologia leva a crer que o conservadorismo, em sua natureza, seria contrário ao livre mercado, ou que a essência do sistema econômico livre estaria em contradição com a defesa dos princípios morais tradicionais cristãos da civilização ocidental.

A palavra “liberal”, como rótulo político, foi utilizada, pela primeira vez, nas Cortes Espanholas, em 1812, quando o parlamento se revoltou contra o absolutismo monárquico e defendeu a adoção de uma constituição limitadora dos poderes do Executivo, ou seja, a implementação de um Estado de Direito. No entanto, as origens teóricas do liberalismo estão na formulação de John Locke, que, no contexto da chamada Revolução Gloriosa de 1688, defendeu a limitação dos poderes do monarca, a representação parlamentar e a tolerância religiosa. Os ideais lockeanos foram propagados, na Europa e nas Américas, por autores como Montesquieu e pela experiência da independência dos Estados Unidos da América, sendo estas inspirações para a Revolução Francesa de 1789.

Inicialmente, o liberalismo esteve associado à proteção dos direitos individuais à vida, à liberdade e à propriedade privada, bem como à instauração do Estado de Direito, do constitucionalismo e do sistema representativo. Na esfera econômica, principalmente devido aos trabalhos de Adam Smith e de seus discípulos, o liberalismo se caracteriza pela defesa do sistema de livre mercado, algumas vezes denominado como “capitalismo” ou “laissez-faire”, em oposição tanto ao mercantilismo defendido pelas monarquias absolutistas no passado quanto às diferentes formas de socialismo ou de intervencionismo econômico vigentes não apenas em regimes totalitários, mas também em sociedades democráticas.

A palavra “conservador”, como rótulo político, surgiu na França, no início do século 19, na Era Napoleônica, quando alguns escritores políticos franceses cunharam o termo “conservateur”, na busca de uma denominação partidária para descrever a postura liberal moderada, que pretendia conciliar o melhor da velha ordem do Antigo Regime (sem manifestar a postura reacionária dos tradicionalistas ultramontanos) com as mudanças salutares advindas da Revolução Francesa (sem assumir o comportamento progressista adotado pelos liberais revolucionários ou pelos socialistas). Herdeiros do posicionamento do estadista liberal Edmund Burke, os pensadores e políticos dotados da mentalidade conservadora são caracterizados, por um lado, pela defesa da herança moral e cultural da civilização ocidental e, por outro, por acreditarem na necessidade de salvaguardar as modernas conquistas do liberalismo – como instrumento prático de preservação, na sociedade, da ordem, da liberdade e da justiça –, de garantia dos direitos individuais à vida, à liberdade e à propriedade privada, e de manutenção das instituições do Estado de Direito, da economia de livre mercado e do sistema representativo democrático.

A defesa da economia de livre mercado é uma característica da agenda conservadora desde suas origens burkeanas até os nossos dias, não apenas como uma necessidade prática, mas, acima de tudo, por questões morais. Os mais importantes teóricos do conservadorismo nas últimas décadas, o americano Russell Kirk e o britânico Sir Roger Scruton, foram grandes defensores da liberdade econômica. No primeiro capítulo de A Mentalidade Conservadora, ao elencar os seis cânones do conservadorismo, Kirk aponta como quarto a “crença de que liberdade e propriedade estão estreitamente ligadas”, defendendo o livre mercado, ao ressaltar que os conservadores defendem que a igualdade econômica é contrária ao progresso econômico. Em sua obra Como ser um Conservador, Scruton ressalta que “governos centralizados produzem indivíduos irresponsáveis”, além de argumentar que “o confisco da sociedade civil pelo Estado leva a uma recusa generalizada dos cidadãos de agirem por vontade própria”.

A defesa da economia de livre mercado é uma característica da agenda conservadora desde suas origens burkeanas até os nossos dias, não apenas como uma necessidade prática, mas, acima de tudo, por questões morais.

Assim sendo, é possível compreender que o rótulo “liberal na economia e conservador nos costumes” pode levar a errôneas conclusões. Por um lado, temos a falsa crença de que a defesa liberal da economia de livre mercado está necessariamente relacionada ao compromisso com agendas “progressistas”. Por outro lado, vemos uma descaracterização do caráter moral do sistema de livre empresa, defendido pelos mais eminentes conservadores, dando a falsa impressão de que o conservadorismo propõe o intervencionismo econômico. Ser conservador é ser, também, um defensor da liberdade econômica.

Alex Catharino é historiador e pesquisador da Fundação da Liberdade Econômica.

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