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Assisti, por dever de ofício, até a madrugada, o terceiro debate entre os candidatos presidenciais com a sensação de quem entra no cinema para fugir da chuva ou passar o tempo e enfrenta a reprise de filme medíocre e de enredo estapafúrdio.

Pois, pela terceira vez no castigo imposto ao eleitor, o candidato-presidente e o ex-governador de São Paulo repetem o mesmíssimo desempenho de artistas escravos do texto decorado, com a singularidade de que trocaram os papéis ou entraram na novela errada. Lula confunde o opositor, troca o Alckmin pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o adversário da sua birra, que não perdoa nem esquece mesmo acariciado com o franco favoritismo que decora a arrogância da antecipada certeza da vitória.

Conta com a ajuda do oponente, que entrou no estúdio perdido no tempo e conduziu toda a campanha como candidato à reeleição ao governo de São Paulo.

Com o drible de Lula e a ingênua colaboração de Alckmin, a campanha caiu na mesmice de uma das mais monótonas e irrelevantes de todos os tempos ou, como gosta de gabar-se o favorito, como nunca aconteceu na história desse país. Com o pequeno calor no bate-boca inaugural na TV-Bandeirantes, que passou a impressão enganosa de uma ascensão do tucano na guerrilha sem armas de uma virada, o filmeco repetido no SBT e na Record não teve a menor influência nas tendências de voto registradas no coro em uníssono da enxurrada de pesquisas.

Ou, por outra, aceleram a disparada de Lula, selando a sorte do adversário. Lula está fazendo o que pode para emplacar o segundo mandato. Nem precisava: Alckmin incumbiu-se do serviço. Com louvável e obstinado empenho, dedicação em tempo integral e disposição infatigável submete-se ao sacrifício de uma das piores e mais desastradas campanhas da temporada da redemocratização, depois dos quase 21 anos da ditadura militar, com as eleições indiretas com baralho de cartas marcadas das trapaças dos casuísmos, da censura, dos senadores biônicos e das cassações para garantir resultados, liquidando com a ameaça de vitória da oposição.

Para recomeço de conversa, candidato à reeleição, Lula não tinha alternativa ao roteiro compulsório de badalar os êxitos dos quatro anos inconclusos do mandato inaugural. E é o que vem fazendo com inegável competência, pautando a campanha na justa medida do seu interesse. Usa e abusa do truque clássico de valorizar os acertos, ampliados pelas róseas lentes da maquiagem da mesma equipe que dissimula as rugas na fisionomia cansada e escurece as mechas grisalhas no cabelo besuntado de gel.

Alckmin caiu no alçapão como filhote de canário que ensaia o vôo. No contraponto exalta os seus feitos como governador de São Paulo. Uma, duas vezes, vá lá: é o seu certificado de eficiência. Com a ingenuidade da autolouvação bandeirante, Lula passou batido no oba-oba da salada estatística do Bolsa-Família e demais programas assistenciais.

O erro é gritante. Lula mostrou a sua seleção particular e escondeu o fundo do quintal entregue ao descaso do abandono. Em nenhum debate ou nos programas do horário eleitoral, a equipe do tucano lembrou-se de mostrar as filas que varam as madrugadas na rede hospitalar em pandarecos; os protestos das vítimas das greves e do infamante atendimento dos postos do INSS, com idosos, enfermos, deficientes passando a noite ao relento para bater com o nariz nas grades fechadas por greves em série.

O desespero da sociedade encurralada atrás das grades das jaulas que transformam as cidades, os bairros, as ruas em fortalezas. A insegurança, praga nacional, castiga a população indefesa.

E, como primeiro item na lista das omissões, o esquecimento da Amazônia, a grande ausente, a expulsa da campanha por estranho acordo tácito da dupla de desmemoriados. Distração contagiosa, como sarampo ou catapora que contaminou os pauteiros dos três debates e os prezados colegas que participaram de entrevistas e mesas-redondas.

Ainda está em tempo do remendo que resgate o cochilo. Cochilo ou catalepsia? O último debate de véspera do voto, na TV-Globo, na sexta-feira, 27, certamente corrigirá o esquecimento da Amazônia, que é uma preocupação mundial a alertar os nossos brios de país soberano.

O presidente-candidato Lula tem muito que explicar, esgueirando-se pela tangência da comparação com o antecessor FHC. Como lembrou a Míriam Leitão em dois artigos primorosos, em O Globo, nos três primeiros anos do atual governo foram destruídos 70 mil km2 de floresta e a desculpa andrajosa de que estão baixando os índices de desmatamento é um escárnio. A tentativa da salvação da Amazônia reclama medidas radicais, que expulsem as motosserras, os exploradores legais ou clandestinos de um patrimônio da humanidade que nós não estamos sabendo cuidar.

E é muito esquisita, para dizer o menos, a virtual privatização da floresta amazônica com a solução suspeita das concessões para a exploração por 30 anos, prorrogáveis, de terras com a camada verde da maior reserva florestal do mundo. O que sobrou dos 600 milhões de terra desmatados, insuficiente para a cobiça dos seus inimigos, exploradores ao jeito de gigolôs.

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