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Felipe Lima

Em reação ao pronunciamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que estatuiu não ser o aborto voluntário no primeiro trimestre da gravidez crime, mas escolha legítima da gestante, faz-se necessário reafirmar o valor absoluto da vida humana. Há consistentes argumentos jurídicos para fundamentar a oposição ao julgado. Todavia, a questão da inviolabilidade da vida humana é tão essencial que o embate forense do tema parece ser insuficiente. Aliás, foi por meio do sistema jurídico que se relativizou o absoluto e isso acabou por ilegitimar tal sistema. Quando falha o Direito, é preciso voltar ao essencial para restaurar o Direito.

Em tema de aborto, o que está em questão é a vida, essência que não cede a nada, nem mesmo a outra vida. Somos todos vida que quer viver em meio a vida que igualmente quer viver. A maternidade não é excludente. Mãe e filho; não mãe ou filho. A ninguém é dado intervir no mundo excluindo as potencialidades de outra vida.

A existência do homem contemporâneo é pautada por uma busca obsessiva pelo prazer e bem-estar individuais. Assiste-se a uma exacerbação do individual em detrimento do fato inelutável de que somos parte de uma sociedade que, para se manter, tem de garantir a cada um de seus membros – mesmo que ainda não nascidos – condições de integrá-la. A liberdade individual não se quer limitada a nada, nem mesmo à liberdade daquele que foi gerado no seu exercício. Este hedonismo egoísta leva à perda da dimensão do outro.

A ninguém é dado intervir no mundo excluindo as potencialidades de outra vida

Ocorre que a negação do semelhante autoriza o semelhante a negar aquele que o negou. Isto, levado às últimas consequências, permite concluir que negar possibilidade a uma vida significa negar a possibilidade de qualquer vida. Em outras palavras, o aborto é autofágico: ao negar o outro, o indivíduo nega-se a si próprio.

A maternidade é um dom pessoal e comum. A vida é fonte de riqueza e renovação. Voltando à seminal estatueta da Vênus de Willendorf recupera-se o referencial da mulher cultuada pelo privilégio da fertilidade que dá ao clã a garantia de seguir, continuar, sobreviver, tanto em si como também na possibilidade do outro.

Quando a vida está em jogo não há escolhas, privilégios ou hierarquia. Não se pode relativizar ou datar a vida. Gerado, o verbo é. Se é, merece consideração dos outros que são. Quanto menor, mais frágil, mais vulnerável, mais atenção, cuidado e proteção merece.

A experiência demonstra que a trajetória de cada ser humano, além de efêmera, é sempre instável e imprevisível. Essa constante nos impede de avaliar o porvir. Todas as escolhas carregam consigo a incerteza. Só há uma certeza: a certeza do ser e, em sendo, ser humano. Abortar implica negar a possibilidade de alguém ser e, portanto, desumaniza.

As mães não podem ser criaturas que se constituem em esperança de si mesmas. Havemos de abraçar uma convicção mais profunda de que sempre há um futuro possível, cuja esperança está na existência do bebê. Uma sociedade tão avançada e sofisticada como a atual há de encontrar meios e condições para garantir a todos os seres humanos o direito de existir.

Maria Candida do Amaral Kroetz é professora adjunta de Direito Civil da UFPR.
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