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A microcefalia se tornou o terror do momento. Até parece que agora é proibido pensar em engravidar, pois coisas terríveis e um futuro macabro esperam os pais que se arriscarem neste momento a planejar o aumento de sua família (não estou dizendo que todas as famílias não possam adiar um pouco seu plano de engravidar, mas a motivação não pode ser o medo).

E o aborto das crianças identificadas com má-formação voltou a estar na pauta. Sobre esse assunto, o filósofo Francisco Razzo escreveu excelente artigo na Gazeta do Povo de 23 e 24 de janeiro. A afirmação do autor sobre a fantasia da “eugenia” e seu novo nome, “aborto terapêutico”, me fez ir à versão eletrônica do artigo para cumprimentá-lo. E quão grande foi minha dor ao ler os comentários de alguns leitores. Com que facilidade seres que acreditam ser pessoas chamam pessoas reais de “sub-humanas”, como se crianças com má-formação não fossem filhos, não fossem seres plenos de sentimentos e razão a seu modo, não tivessem direitos, nem sequer pudessem viver, pois são “coisas”, seres desprezíveis que devem ser imediatamente eliminados em nome de um futuro melhor para todos, para que os “verdadeiros” seres humanos possam levar uma vida com menos fardo.

Dou minha vida para que minha filha viva na sua fragilidade e dê muita alegria a este mundo por tudo que ela é e também não é

Não posso esconder que cheguei a sentir raiva de quem escreveu bobagens sobre estes “sub-humanos” com microcefalia. Peço desculpas pelo meu sentimento ruim, mas foi minha reação diante da irracionalidade de “quase-pessoas” que se acham inteligentes, acima dos outros, ditadores do que é melhor. E chamo de quase-pessoas não porque não considere estas “pessoas” como tais, mas para que didaticamente elas tentem perceber que precisam respeitar o vulnerável, o que é frágil, aquele que é uma pessoa tão digna quanto aquele que está julgando e que, como todos, só precisa e quer amor!

Sou pai de criança especial: uma menina com Síndrome de Angelman, que também tem sua circunferência da cabeça um pouco menor que a grande maioria, e por nada neste mundo quero perdê-la. Dou minha vida para que ela viva na sua fragilidade e dê muita alegria a este mundo por tudo que ela é e também não é. Repudio o aborto e todos os dias encho meu mundo de desejo e bons sentimentos para que mais pessoas percebam o grande valor que tem a vida, porque amar é muito bom, porque ter filhos é maravilhoso, porque poder ir para casa todos os dias e beijar nossos filhos e esposa é o que temos de melhor, e que viver plenamente cada momento é o que deixaremos de bom neste mundo!

Por todas as nossas três filhas, mas de modo particular por nossa filha especial, minha esposa e eu nos esforçamos para que nunca falte nada, mesmo depois que partirmos. Não temos medo de encarar o futuro ou de que no futuro ela fique desamparada. Mas claro que nos ocupamos, e muito, para que tudo dê certo. E digo mais: suas irmãs têm algo de especial para com ela. De algum modo o amor que surgiu entre elas é extraordinário. Não sei explicar; só sei que o amor entre elas é diferente. Os pais e os irmãos ganham muito com uma criança especial. Triste ver que existem pessoas que conseguem pensar em morte para situações como esta, cheia de vida!

Minha esposa e eu engravidamos quatro vezes. Escolhemos desta forma. Por duas vezes houve má-formação genética, o que não escolhemos. Mas sempre soubemos que o que não podíamos escolher era a morte, o aborto. Se escolhêssemos acabar com a vida de um filho, nós é que seríamos “sub-humanos”. E, ao acolhermos nossa filha especial e nosso bebê que não sobreviveu, ganhamos algo que não esperávamos: um amor sobre-humano! Hoje, unimos nossos corações pelas pessoas que carregam o terror da morte de seus filhos. Não queremos isto para ninguém, e gostaríamos que mais pessoas unissem seus corações pela vida, mesmo de crianças que porventura venham a ter microcefalia.

Paulo Cesar Starke Junior é coordenador do Tema Vida na Comissão Família e Vida da Arquidiocese de Curitiba.
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