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Minha gagueira me tornou uma escritora melhor
| Foto: Pixabay

O "j" de "janela" foi o primeiro som de letra, segundo minha mãe, que repeti em staccato, parecendo um disco arranhado. Isso foi quando eu tinha 3 anos, antes de minha gagueira ser estigmatizada e considerada motivo de vergonha. Naqueles primeiros anos, minha relação com a linguagem era descomplicada: eu achava que minha voz era mais parecida com a do passarinho ou do esquilo que com a dos coleguinhas. Para mim, isso era o máximo. Eu achava, ao contrário das crianças fluentes, que poderia conversar com as criaturas selvagens, aprender seus segredos, contar-lhes os meus e fazer amizade baseada na intimidade interespécie.

A escola acabou com essa fantasia minha. Passei todo o ensino fundamental gaguejando sempre que o professor me chamava e toda vez que tinha de ler em voz alta. A humilhação de ser forçada a recitar alguns parágrafos sobre comissárias de bordo na Weekly Reader, no terceiro ano, ainda me incomoda. O "c" é difícil para os gagos; o que uma criança fluente levaria cinco minutos para ler era, para mim, uma tortura de 25.

Foi mais ou menos nessa época que comecei a separar o alfabeto em "letras boas", como "v" e "m", e as ruins, "s", "f" e "t", além dos sons das vogais, terríveis, abertos e misteriosos, praticamente impossíveis de reproduzir. Cada letra tinha um grau de dificuldade que mudava, dependendo de sua posição na frase. Bem mais tarde, quando li que Nabokov, quando criança, associava descrições às letras, fez todo o sentido para mim que o "g", duro, se parecesse com "borracha vulcanizada", e o "r", "um trapo sujo sendo rasgado". O meu querido "v", no sistema nabokoviano, era uma joia: "quartzo rosa".

O fascínio com as palavras me imputou uma vocação que manteve sempre vivo o desejo de me comunicar

Minha mãe, sabendo que as outras crianças zombavam de mim – ela chegou a achar um livro, The Stuttering Parrot ("O papagaio gago"), que fora jogado no nosso jardim –, queria acabar com meu problema de fala. E me estimulava a praticar as estratégias que me foram ensinadas por uma série de terapeutas, passando de um som fácil para outro, mais difícil, e, soltando a garganta, tentar evitar a repetição. Quando eu tinha 13 anos, ela conseguiu para mim uma bolsa para participar de um programa famoso de fonoaudiologia perto de nossa casa, na Virgínia.

Durante três semanas, no verão daquele ano, eu me sentei à mesa de uma salinha, com um monitor de voz, uma caixa preta de metal com uma luzinha que mudava de verde para vermelho se eu começasse mal, forçando o ar pela boca rápido demais. À minha frente, um livro de exercícios grosso, com páginas e mais páginas de letras solitárias, em grupo e palavras. Eu repeti cada uma, centenas de vezes, usando o método de não forçar o ar para fora, mas lidando delicadamente com ele no início de cada som. Se a luz acendesse vermelha, eu tinha de começar tudo de novo. Depois de vários dias de horas e horas de repetição (la-gos-ta, la-gos-ta, la-gos-ta, la-gos-ta), minha mente se desconcentrava e eu começava a flutuar, observando de longe aquela garota magrinha e patética, de vestido de alcinha e chinelo de dedo tentando desesperadamente possuir um tico de graça.

Corta para 25 anos depois. Depois de uma infinidade de tratamentos, minha gagueira era menos problemática; eu já podia andar pelo mundo tentando passar como pessoa fluente, livre de impedimentos. E, toda vez que gaguejava, me desassociava: aquele ser humano em dificuldades não era eu. Essa estratégia até que dava certo – até a vez em que me vi em uma festa, no Brooklyn, cercada por gente gaguejando livre e exuberantemente. Descobri que o dono da festa era o editor de uma newsletter para gagos e que muitos dos convidados eram membros da sede local da Associação Norte-Americana para a Gagueira. Quando comentei que tinha feito o curso na Virgínia, o dono da casa comentou que as terapias usadas ali são consideradas invasivas, cruéis até. Hoje em dia os gagos fazem terapia não para acabar com o problema, mas para se ajustar a ele.

Enquanto ouvia aquelas pessoas contando suas histórias, percebi que ninguém se impressionara com minha fluência; na verdade, sentiam pena de mim. A seu ver, tendo modificado minha fala, eu nunca saberia exatamente quem sou.

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Essa mudança de paradigma me deixou chocada. Jamais me ocorreu dizer a mim mesma que não havia nada errado com a forma como eu falava, que o mundo fluente é que teria de praticar a aceitação. Quando assisti a O discurso do rei, filme sobre a gagueira do rei Jorge IV, não engoli o fim triunfante, quando, com a ajuda do terapeuta Lionel Logue, o rei discursa com fluência, anunciando que a Grã-Bretanha entraria na Segunda Guerra Mundial. Percebi que o verdadeiro sentido e a glória do filme aconteciam entre o rei e Logue durante as sessões, quando o monarca expõe sua vulnerabilidade e o terapeuta reage não com senso crítico ou repulsa, mas com compaixão. Pela primeira vez o rei é visto como pessoa.

Até que, por fim, entendi: a gagueira é um encanto violento que pode escancarar a conversa normal. E o que acontece nessa brecha depende do gago e de seu interlocutor.

Fui lembrada desse detalhe não faz muito tempo, sentada na cabine de som, em frente a um microfone tão grande e intimidador como aquele do filme, preparando-me para gravar a edição de áudio do meu livro inédito, Flash Count Diary. Estava ansiosa; não sabia se ia conseguir, por causa da gagueira. Conversar, dar aula, até ler em voz alta, tudo isso faz parte do discurso do dia a dia, mas gravar um audiolivro me levaria ao mundo da oratória profissional, do qual eu assumia sempre ter sido excluída.

Ao começar a ler, eu me lembrei novamente da minha completa vulnerabilidade perante a força incompreensível da linguagem. Eu não tinha domínio sobre minhas cordas vocais, à deriva nas ondas de sons imprevisíveis. Essa perda de controle era assustadora, mas também empolgante, um verdadeiro êxtase. Muitas vezes hesitei ou gaguejei e tive de recomeçar, voltando ao início do parágrafo/sentença. O jovem engenheiro de som era paciente; sua voz no meu fone de ouvido era gentil e sua expressão, aberta e cheia de empatia. Quando tudo acabou, conversamos abertamente; expliquei que, na sala onde leciono e nas minhas sessões de leitura, minha gagueira me tornava íntima dos ouvintes. Ele aquiesceu. "Eles conseguem identificar sua vulnerabilidade." E chegamos à conclusão de que, embora talvez levasse o dobro do tempo de gravação, eu poderia fazer meu audiolivro, sim. E ele prometeu que, na edição final, incluiria pelo menos parte das minhas repetições e silêncios.

A grande ironia da minha vida continua no fato de que minha gagueira, que muitas vezes me causou sofrimento, também é responsável pela minha obsessão com a linguagem. Sem ela, não teria me motivado a escrever, a criar sentenças ritmadas, mas fáceis de falar e ler. O fascínio com as palavras me imputou uma vocação que manteve sempre vivo o desejo de me comunicar. Quando menina, eu esperava que minha gagueira me permitisse penetrar no mundo secreto dos animais; hoje, adulta, dependendo da boa vontade do meu interlocutor, tenho acesso a algo também fugidio: o caminho que vai direto ao coração humano.

Darcey Steinke é autora de cinco romances e dois livros de memórias, incluindo o ainda inédito Flash Count Diary: menopause and the vindication of natural life.

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