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O modelo de concessão de rodovias é adequado? As respostas variam. Para alguns, prover rodovias é tarefa única e exclusiva do Estado. Para outros, a dinâmica econômica e a insuficiência de orçamentos públicos leva a rodovias, assim como a energia, telefonia, portos e até mesmo serviços de água e esgoto, auto-sustentáveis. Obviamente, as diferentes respostas materializam julgamentos de valor, ideologias e compreensão sobre a condução das políticas econômica, social, tributária, e da redução da pobreza.

A crescente competição global e o fato de a infra-estrutura ter papel chave no crescimento econômico obriga os governos a buscarem mais eficiência. Até o final da década de 1970, países e estados dependiam principalmente do setor público, tanto para produzir serviços de transportes, quanto para construir sua infra-estrutura básica. A participação privada era secundária, e esse modelo mostrou-se ineficiente. Nas décadas de 1980 e 1990, houve um aumento substancial da participação privada no provimento de infra-estrutura. Com a carga tributária no limite, a principal razão para os governos convocarem a participação privada é a necessidade urgente de investimentos de porte, forçados por recursos públicos insuficientes para cobrir as necessidades da sociedade.

Uma variedade de formas pode ser utilizada para estabelecer parcerias com a iniciativa privada, variando desde contratos de gerenciamento até concessões. Há também o pedágio-sombra ou "shadow toll", ou o modelo em que a administração pública paga o prestador de serviço por veículo usando a rodovia. Ao governo é fundamental ter credibilidade e honrar pagamentos, o que infelizmente não é realidade no Brasil, onde o Estado é, por definição, mau pagador.

Atrair investimentos privados requer ambientes favoráveis, usualmente estimulados por processos de reformas. A experiência mostra que muitos governos comportam-se oportunisticamente, produzindo factóides e apossando-se de valores que fazem parte do projeto. Exemplos incluem governos em campanhas de reeleição decidindo unilateralmente reduzir tarifas e não honrando reajustes tarifários acordados contratualmente. Alguns governos novos também não honram reajustes tarifários estabelecidos em contrato outorgado por governos anteriores. Há até mesmo casos em que a proximidade das eleições influenciou o comportamento oportunístico de governantes estaduais que não cumpriram o contrato outorgado por eles mesmos em administrações anteriores. Os gargalos incluem ainda questões políticas, culturais, legais e econômicas.

O comportamento oportunístico enfatiza o choque entre o chamamento da "participação privada por convicção versus por necessidade", dilema típico de governos populistas e sem orientação política e ideológica clara. A diferença observada na experiência internacional é a velocidade das reformas que, no caso da necessidade, é mais lenta e envia mensagens confusas para o mercado, aumentando o custo Brasil e o custo para o estado. A criação de agências reguladoras minimiza tais problemas. Estas precisam ter independência decisória, autonomia financeira, corpo diretivo com alta capacitação técnica na área, e mandatos fixos, não coincidentes entre si ou com os mandatos dos governos, garantindo uma renovação permanente e sem traumas.

O que fizeram os chineses, irlandeses, poloneses, tchecos, chilenos e paulistas, entre outros, para atrair investimentos e capitais e prover infra-estrutura? Decidiram olhar ao redor e não apenas para dentro. Optaram por se comparar com o restante do mundo, ao invés de tratar apenas do próprio umbigo, e buscaram subir posições na competição global. Entenderam que a economia mundial é um trem em movimento: sobe-se nele ou se fica para trás. A China é o exemplo mais eloqüente. Decidiu não ficar refém das intermináveis discussões sobre virtudes e defeitos dos modelos de participação privada, das discussões estomacais sobre neoliberalismo e imperialismo, e se concentrou no tema fundamental e prioritário: a competitividade.

A participação privada é inevitável e veio para ficar. Podemos discuti-la pelos próximos cinco meses, cinco anos, 50 anos, ou até mesmo 500 anos. O tempo apenas atrasará o desenvolvimento. O que é inadmissível são os factóides produzidos ao longo da discussão, ainda mais quando gerados pelo próprio Estado.

Luiz Afonso dos Santos Senna é PhD em transportes, professor da UFRGS e autor do livro "Rodovias Auto-Sustentadas: O Desafio do Século XXI" (Ed. CLA, 2007).

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