• Carregando...
Ex-ministro Sergio Moro acompanhou a apresentação do vídeo da reunião ministerial nesta terça-feira (12), em Brasília
Ex-ministro e ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro.| Foto: Pedro França/Agência Senado

Ouve-se com frequência, tanto entre eleitores de Bolsonaro quanto entre opositores, “neutros” e outros tipos, que o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro não tem perfil político para concorrer à presidência da República. E olhem que nem é candidato. O único candidato declarado que temos – à reeleição, claro, seguindo a regra vigente desde o governo Fernando Henrique Cardoso – é Bolsonaro. As oposições apenas cogitam alguns nomes.

Mas vamos ao tal perfil político supostamente exigido para se ocupar a presidência desta República que nasceu com um golpe de Estado. A melhor coisa a fazer, nesse caso, é estabelecer algumas comparações. Basta analisar algumas presidências que ainda estão próximas. Para resumir, atenho-me às três últimas.

Lula, presidente de 2003 a 2011, é ex-metalúrgico, ex-sindicalista e ex-deputado, ocasião em que conviveu com “300 picaretas”. Apesar de ter tido oportunidades que o brasileiro comum jamais teve, nunca quis estudar: confessadamente, ler lhe dá sono. Foi reeleito, apesar do mensalão que estourou em seu primeiro governo, com a complacência da oposição tucana – “deixa sangrar”, dizia o político catarinense Jorge Bornhausen, então ministro de FHC. Encerrou sua carreira política nas barras da Justiça, condenado – inicialmente pelo então juiz Sergio Moro – em três instâncias por envolvimento em vários crimes e libertado, mesmo assim, por benevolência do Supremo Tribunal Federal (STF).

Com esse perfil político – ou, diria, prontuário –, Lula elegeu Dilma Rousseff, a “gerentona” do Minha Casa Minha Vida. Foi reeleita, mas não concluiu o segundo mandato devido ao impeachment, que a oposição petista prontamente chamou de “golpe”.

A mineira Dilma, que fez carreira na Porto Alegre do renitente esquerdismo brizolista-petista, tampouco se interessou pelos estudos. Sua predileção era ideológica: já na juventude abraçou a guerrilha. Constou em seu currículo, logo “corrigido” quando se tornou ministra, que era doutora pela Universidade de Campinas. Nada mais é preciso acrescentar à figura que inaugurou “neste país” o ininteligível idioleto dilmês.

Por fim, temos Bolsonaro, presidente há quase dois anos. Nascido em São Paulo, mas praticamente um carioca da gema, não consta que tenha se interessado por algum curso superior, ao contrário de muitos de seus colegas de caserna, que se formaram em Direito e se tornaram delegados, promotores, juízes etc. Foi deputado pelo Rio de Janeiro por quase 30 anos, sem qualquer destaque na atuação legislativa além das deblaterações com as esquerdas, igualmente estridentes. Bolsonaro, recorde-se, não foi aceito por nenhum partido até as vésperas das eleições. Alinhado à direita por ter origem militar, chegou ao poder com o decisivo apoio das chamadas redes sociais.

O que une os três presidentes mencionados, portanto, é o compromisso ideológico. À direita e à esquerda – termos que remetem ao passado revolucionário francês –, nenhum deles manifestou apreço às ideias liberais. Nos casos de Lula e Dilma, houve o apoio explícito ao bolivarianismo e a ditaduras de linhagem semelhante. No de Bolsonaro, a evocação de um passado recente supostamente redentor e, na era da Covid-19, o afastamento de setores liberais de seu governo. Eleito com as bandeiras do combate à criminalidade, simbolizado por Moro, e da diminuição do monstro estatal, está se revelando um político muito próximo do Centrão. Em outras palavras, é um político do establishment.

E Moro? Embora ainda nem seja candidato, já é violentamente combatido em boa parte das redes sociais e, pasmem, por parte de lulopetistas e bolsonaristas, unidos na agenda anti-Moro. Não é mau sinal, portanto. Mas por que o ex-ministro não teria perfil político para a presidência da República, como acusam os detratores?

Sergio Moro é paranaense de Maringá, estudou Direito e se tornou juiz federal, além de ter feito estágio em Harvard. Notabilizou-se pelo combate à grande criminalidade, simbolizado pela Operação Lava Jato, desenvolvida a partir de Curitiba – operação que, diga-se, jamais teria sucesso de São Paulo para cima, onde se enraízam a política e as oligarquias que atravessaram a colônia e a monarquia, e sobrevivem na República.

O fato é que, se há alguém razoavelmente fora das ideologias e do establishment político brasileiro, é Sergio Moro. Vem de um estado relativamente novo no cenário nacional e que, como quase todo o Sul, não teve expressivo envolvimento com a escravidão típica do Brasil antigo. Juiz na maior operação de combate à corrupção e à criminalidade, não teria perfil político para chegar à presidência? Que diabo é esse perfil político?

Presidência é só para gente corrupta como Lula, incompetente como Dilma e pretensamente “salvadora” como Bolsonaro – todos ideológicos?

Longe de mim invocar os reis filósofos do idealista Platão, mas não há como justificar que a formação intelectual de alguém seja incompatível com a presidência de um país.

Orlando Tambosi é professor aposentado da UFSC, doutor em Filosofia e jornalista.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]