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| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

A questão sobre o vínculo ou não dos motoristas de aplicativos com as empresas de tecnologia está rendendo uma boa polêmica no Judiciário brasileiro. Recente decisão da 15.ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região (TRT-SP) girou em torno de uma dúvida ocorrida no Brasil e nos diversos outros países em que a Uber e outras empresas do gênero estão presentes com seus aplicativos de motorista particular. Afinal, é caracterizado vínculo trabalhista nesta relação?

A decisão mencionada foi a primeira no nosso país favorável ao lado do motorista, reformando decisão contrária ocorrida na primeira instância, na 38.ª Vara do Trabalho de São Paulo. A desembargadora relatora do caso, Beatriz de Lima Pereira, determinou que a empresa deve realizar o registro na carteira de trabalho do condutor e pagar os valores referentes a aviso prévio, férias, FGTS, multa rescisória, entre outros.

Para a desembargadora, o aplicativo da Uber não se trata apenas de uma ferramenta eletrônica, pois a plataforma não está simplesmente à disposição dos motoristas. Há uma determinação do preço dos serviços, do percentual do faturamento destinado aos motoristas e a avaliação dos usuários sobre os serviços condiciona a permanência da parceria com a empresa.

A tecnologia que poderia ser entendida como apenas uma facilitadora de uma parceria foi colocada na decisão como um instrumento patronal. Beatriz de Lima Pereira mencionou a Lei n. 12.551/2011, que introduziu novo texto ao artigo 6.º da CLT, o qual prevê em seu parágrafo único que “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”.

É possível afirmar que um motorista particular de aplicativo possui habitualidade quando executa o serviço de forma contínua

Contudo, esse entendimento vai contra a posição majoritária da nossa jurisprudência – inclusive perante o Tribunal Superior do Trabalho, instância superior ao TRT-SP – que interpreta a atividade do motorista particular de aplicativo como sendo a de um autônomo que se utiliza dessas plataformas apenas para exercer a sua atividade e sem que haja uma subordinação nessa relação.

Conforme o artigo 3.º da CLT, o vínculo trabalhista se caracteriza pelos elementos da habitualidade, pessoalidade, onerosidade e subordinação. A falta de qualquer um desses requisitos acarreta o não reconhecimento da relação de emprego e é o que acontece no caso do último elemento.

É possível afirmar que um motorista particular de aplicativo possui habitualidade quando executa o serviço de forma contínua. Também se trata de uma relação caracterizada pela pessoalidade devido ao fato do motorista se cadastrar na plataforma como uma pessoa física. Em relação à onerosidade, o indivíduo em questão é remunerado conforme as taxas acordadas ao aderir ao aplicativo em questão, como o da Uber.

Entretanto, como pode um motorista de aplicativo ser considerado subordinado à empresa quando não possui horários, metas de trabalho e quando está livre para se manter disponível aos passageiros quando bem entender? O uso da plataforma e as exigências mencionadas pela desembargadora do tribunal se tratam de características do modelo de negócio que resulta em uma parceria – naturalmente mais vantajosa para empresas como a Uber, 99, Cabify, entre outras, que são as proprietárias do respectivo utilitário digital.

Leia também: Aplicativos e livre iniciativa (editorial de 30 de outubro de 2017)

Leia também: Uber: O debate acabou? (artigo de Pedro Felipe Silva, artigo de 10 de maio de 2018)

Tal entendimento poderia ser alterado apenas no caso de empresas como a Uber imporem ao motorista jornada de trabalho determinada e retirarem, dessa maneira, a ausência de subordinação.

Portanto, ainda é preciso ter cautela em relação ao impacto da decisão ao modo como a relação entre motoristas particulares e aplicativos como a Uber é enxergada no Brasil.

O entendimento da desembargadora demonstra que há espaço no Judiciário para decisões favoráveis ao trabalhador e contrárias ao entendimento majoritário nessa questão. Entretanto, é um entendimento equivocado que não tem sido aplicado em casos análogos sobre um tema que segue em discussão não apenas no Brasil, como em todo o mundo.

Gustavo Hoffman é advogado especialista em Direito do Trabalho.
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