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Presidente Jair Bolsonaro deve vetar a taxa de juros prevista no programa de crédito a microempresas. Equipe econômica considerou que o juro é muito baixo.
Presidente Jair Bolsonaro.| Foto: Marcos Corrêa/PR

Em 13 de maio, o presidente da República editou a Medida Provisória 966/2020, dispondo que os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro, em razão da prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública, bem como do combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da Covid-19.

À primeira vista, as normas consubstanciadas em tal MP parecem retratar uma matéria já positivada no artigo 28 da Lei 13.655/2018 (que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, LINDB), assim encontrado: “o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em casos de dolo ou erro grosseiro”. Cabe registrar que o Tribunal de Contas da União, ao julgar certos casos tendo como pano de fundo, exclusivamente, as disposições da LINDB, vem decidindo que o dolo e o erro grosseiro (artigo 28) não afastam a responsabilidade do agente público pela reparação de eventuais danos (veja-se os acórdãos 11.762/18, 14.130/19, 2.768/19 e 5.547/19).

De uma análise mais detida das prescrições do novel regramento consubstanciado na MP, notadamente do seu artigo 1.º (“Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa [grifos nossos] se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de”), é possível depreender que somente em caso de dolo ou erro grosseiro os agentes públicos serão condenados ao ressarcimento dos danos causados ao erário. A regra, portanto, abrange a responsabilidade civil, que até então era desconsiderada pela corte de contas federal, e cuida das balizas da responsabilidade pessoal do agente público, afastando um foco específico de insegurança: a ausência de proteção legal do gestor público honesto que comete erro escusável.

É importante assinalar que a responsabilização nos termos enunciados no parágrafo anterior atinge tão somente as ações ou omissões que estejam relacionadas, direta ou indiretamente, com as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública e o combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia, ou seja, decisões ou opiniões técnicas desvinculadas destas finalidades não estão abrangidas pela MP.

Merece destaque, ainda, o conceito legal de “erro grosseiro”, assim encontrado: “erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”. É preciso reconhecer que “erro grosseiro” é uma expressão vaga, indeterminada, possibilitando, com isso, interpretações das mais variadas possíveis. Tome-se como exemplo as manifestações do Tribunal de Contas da União que, ao conceituar este vocábulo, assim se posicionou: equivale a culpa grave (Acórdão 1.762/2018); é a conduta do agente público que se distancia daquela que seria esperada do administrador médio, avaliada no caso concreto (Acórdão 2.860/2018 ); é aquele que pode ser percebido por pessoa com diligência abaixo do normal ou que pode ser evitado por pessoa com nível de atenção aquém do ordinário, decorrente de grave inobservância de dever de cuidado (Acórdão 3.327/2019).

Além da referida conceituação legal, a MP prescreve, em seu artigo 3.º, alguns fatores que devem ser considerados para que possa se caracterizar ou não um “erro grosseiro”, contribuindo, assim, para o surgimento de um cenário de certa segurança para o gestor público na tomada de decisões e, também, impedindo aquilo que se denominou de “paralisia das canetas”, quando se opta pela omissão em razão do temor de uma eventual responsabilização.

Ao contrário do que parece se tratar de mera reedição de matéria já positivada, a MP consagra uma nítida distinção em relação à LINDB, propiciando segurança aos agentes públicos na adoção das medidas que efetivamente lhe pareçam ser as mais adequadas para o enfrentamento da emergência de saúde pública causada pela pandemia da Covid-19, no sentido de que eventuais erros escusáveis não acarretarão a sua responsabilização.

Por fim, caberá ao Tribunal de Contas da União rever o seu entendimento de que os parâmetros de responsabilidade pessoal do artigo 28 da LINDB não abrangem a responsabilidade civil, na medida em que tal posicionamento fragiliza o objetivo deste dispositivo no sentido de conferir uma proteção jurídica ao gestor público honesto.

Edgar Guimarães, advogado, doutor e mestre em Direito Administrativo e pós-doutor em Direito pela Università del Salento (Itália), é professor em cursos de pós-graduação, presidente do Instituto Paranaense de Direito Administrativo  e conselheiro da OAB Paraná.

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