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No dia 3 de setembro de 1989, o comandante Cezar Garcez pilotava o Boeing 737-200 da Varig, na rota São Paulo-Belém, com 48 passageiros e seis tripulantes. Tendo pego a rota contrária, o comandante foi obrigado a fazer pouso forçado na floresta perto de São José do Xingu, Mato Grosso, matando 12 pessoas e ferindo outras 13. A tragédia só não foi maior devido à habilidade do piloto. A causa do acidente foi um erro banal. Em vez de pegar a rota 270 (norte) rumo a Belém, o piloto seguiu a rota 027 (oeste) em direção à selva. Mas por que o comandante cometeu um erro tão primário?

Segundo as investigações, o piloto e os tripulantes estariam fazendo aquilo que os entusiastas da geração Y dizem ser a marca dos jovens de hoje: fazer várias coisas ao mesmo tempo (por exemplo, assistir a uma aula de Matemática, responder mensagem no celular, navegar no tablet e conversar com o colega ao lado). O piloto Cezar Garcez e os tripulantes estavam distraídos ouvindo o jogo da seleção brasileira contra o Chile, válido pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 1990, e não prestaram a devida atenção na diferença entre 270 e 027, tomando o rumo da mata.

Virou modismo achar que um jovem é capaz de fazer cinco coisas simultâneas, mantendo o foco, a atenção e a concentração. Fico imaginando um cirurgião em plena operação de transplante de coração, com celular tocando, tablet aberto e televisão ligada na sala de cirurgia. É óbvio que isso não tem lógica alguma. Os neurocientistas afirmam que o cérebro humano não mudou nada nos últimos 40 anos para justificar essa conversa de que a geração Y é capaz de fazer cinco coisas ao mesmo tempo, como se o cérebro fosse um para os menores de 30 anos e outro para os maiores dessa idade. É uma falácia.

Além dessa falácia, as engenhocas eletrônicas e as tecnologias modernas vêm sendo tratadas como fins em si mesmas, como se bastasse dominá-las para ser evoluído. Mas a verdade é bem outra. A alfabetização e a educação fornecem o processo, longo e complexo, para dominar a linguagem, desenvolver o raciocínio, incorporar os conhecimentos da ciência e da moral e aprender as habilidades técnicas. A tecnologia (na qual estão as máquinas, os aparelhos como o rádio, a televisão, o computador, o telefone, a internet) é útil e necessária (negar isso seria estupidez); mas é um meio, não é um fim em si mesma.

A habilidade com essas tecnologias não substitui a leitura, o estudo intenso e a repetição de exercícios, com foco, atenção e concentração. Um estudante de Engenharia não aprenderá Matemática e Física se não prestar atenção às aulas e gastar horas e horas estudando e fazendo exercícios. Se fizer tudo enquanto atende o telefone, responde mensagens, navega no tablet e vê um jogo de futebol na televisão, o aprendizado será obviamente muito menor.

Outra questão preocupante é o baixo índice de leitura de livros. Fala-se muito no aumento das vendas de e-books. Eles são muito vendidos, mas pouco lidos. Pesquisas mostram que poucos donos de tablets leram um livro inteiro na tela do equipamento. Leitura de livros depende de interesse, paixão, paciência e concentração, coisas escassas na geração Y, cuja marca é a pressa e a ansiedade. O mundo anda empolgado com a tecnologia e entediado com a sabedoria.

Na época da tragédia, o comandante Garcez tinha 32 anos. Era da geração Y. Tentou fazer duas coisas ao mesmo tempo. Não deu certo. Para 12 pessoas, o preço foi a morte na selva.

José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.

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