Nunca antes neste país – para parodiar o ex-presidiário presidenciável – se viu uma eleição tão tumultuada e raivosa. O nós contra eles (sejam quem forem “os eles” e “o nós”) tomou conta das narrativas, dando a impressão de que o país estaria em meio de uma guerra santa entre facções. Só que não é nada disso, embora eles – os políticos e partidos – adorem que todo mundo acredite que é exatamente assim. Por que adotar uma estratégia tão perniciosa ao debate político e que pode levar ao esgarçamento da nossa já meio capenga democracia? Ora, porque é muito bom para quem está disputando um cargo político.
Por mais que as pessoas tentem se autoenganar, acreditando que seu político/candidato de estimação é o mais abnegado dos seres, que só está disputando um cargo pela simples vontade de fazer o bem à população (hahaha), garantir que o povo tenha picanha e cerveja à vontade, “volte a ser feliz”, defender a família brasileira ou tantas outras promessas vãs, a verdade é bem mais simples: políticos querem se eleger para conquistar – e manter – o poder para si mesmos, seu partido e seus “companheiros”.
Político não deve ser ovacionado, mas sim vigiado de perto, pois tem grande tendência a deixar de fazer o que se espera dele quando o patrão – o povo – não está olhando.
Mas isso o eleitor, no fundo, sabe muito bem. Duvido que mesmo aqueles que empunham bandeiras, decoram o carro, vão a caminhadas ou motociatas, brigam com a família por um candidato, xingam, pedem votos na empresa e fazem textão na internet em favor do “combate ao fascismo” ou “contra o comunismo” acreditam de verdade que algum candidato é santo. Santo na política só os de pau oco. Político é político; não deve ser ovacionado, mas sim vigiado de perto, pois tem grande tendência a deixar de fazer o que se espera dele quando o patrão – o povo – não está olhando.
Quando uma disputa eleitoral se funde com a ideia de uma “guerra santa”, os candidatos são içados ao posto de representantes do bem e do mal – e estranhamente ambos são, para seus seguidores, “do bem”, enquanto o adversário é sempre “do mal”. Por supostamente encabeçarem uma luta muito maior do que a mera disputa pelo poder temporal da república verde e amarela (ops, melhor mudar para azul e branca senão o TSE vai tachar de propaganda eleitoral), seus seguidores se acham no direito de usar e aceitar as mais esdrúxulas estratégias de conquista de voto e estão dispostos a qualquer coisa para vencer a grande besta apocalíptica que é seu adversário político.
Pior: passam a acreditar em tudo o que seu candidato diz, deixando o senso crítico e capacidade de pensar por si mesmos em segundo plano. Candidato adora eleitor tipo fã: bobinho, não questiona nem cobra nada, fica feliz em empunhar bandeirinhas e tirar foto, chora ao abraçar o ídolo, acredita em qualquer asneira, esquece o passado do candidato (por mais nefasto que seja), e acha que tudo que contém alguma crítica ao seu candidato é fake news (dá-lhe censura) ou complô internacional.
As campanhas igualmente adotam o vale-tudo: danem-se a ética, o debate democrático ou a apresentação de propostas concretas – o que interessa é vencer a qualquer custo. As vítimas sempre são a própria democracia e a política, que se afundam em meio ao enfraquecimento das instituições e o radicalismo besta. Os vários exemplos que temos visto nos últimos tempos deixam bem claro isso: censura a jornais que noticiam meros fatos, violência, mortes por causa de candidatos, discursos contra instituições, Judiciário atropelando a Constituição, assédio moral, gente perdendo a sanidade mental, cortinas de fumaça lançadas para desviar o olhar da população daquilo que realmente importa.
“Ah, mas se A ganhar o Brasil vai virar uma ditadura” ou “Oh, se B vencer vai acabar com a família”: o poder de um presidente não é tão grande assim e se a população não quiser nada disso vai acontecer. O povo esquece que seu poder vai muito além do voto. Ele pode, se quiser, pressionar democraticamente seus representantes eleitos a fazer sua vontade, evitando que projetos que considera nefastos sejam levados adiante. Todo político, a partir do exato momento em que é eleito, passa a ter um objetivo bem claro (que não tem nada a ver com servir a população): manter-se no poder, ou seja, se reeleger ou eleger um aliado. E para manter-se no poder, precisa “agradar” seus eleitores.
Se cada eleitor conseguisse entender que seu maior compromisso com a democracia não é apertar de dois em dois anos as teclinhas da urna eleitoral, mas sim acompanhar dia a dia o que acontece nos governos (municipal, estadual e federal) e cobrar sempre que necessário o cumprimento de promessas de campanha, o bom uso das verbas públicas e mais transparência, estaríamos em outro nível de democracia – muito mais próxima do ideal de um governo do povo.
Quer votar em Bolsonaro? Vote. Prefere o Lula? Vai lá. Vote em quem quiser, só não ache que seu candidato é um enviado de Deus ou um paladino da democracia contra o fascismo, acima do bem e do mal. Muito menos compre a ideia de que se ele vencer, os próximos anos serão de paz e prosperidade infinitas, com picanha garantida ou risco zero de venezuelização. Tampouco se deixe levar por discursos inflamados e acabe cometendo atos impensados na tentativa de levá-lo ao poder. Os fins só justificam os meios para o príncipe tirano descrito por Maquiavel e até o italiano sabia que isso não era nada bom. Seja com Lula ou Bolsonaro, vamos sobreviver, desde que cada um acredite que nenhum deles é maior do que o próprio povo e nem do que o nosso Brasil.
Jocelaine Santos é jornalista e editora na Gazeta do Povo.
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