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André Mendonça
Sabatina de André Mendonça estava travada na CCJ do Senado por vontade do presidente da comissão, o senador Davi Alcolumbre.| Foto: Isac Nóbrega/Presidência da República

Após alguns meses da (controversa) indicação de André Mendonça, pelo presidente Jair Bolsonaro, para ministro do Supremo Tribunal Federal, o senador Davi Alcolumbre, atual presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, enfim marcou a sabatina do candidato – que pretende assumir a cadeira deixada pelo ministro Marco Aurélio em virtude de sua aposentadoria – para o dia 1.º de dezembro, próxima quarta-feira.

Tornou-se público que o nome de André Mendonça (ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro) é alvo de elevada resistência por grande parte da comunidade jurídica e, também, por parte considerável dos atores políticos – a exemplo do próprio senador Davi Alcolumbre, que abertamente declara os esforços envidados na articulação para que o Senado desaprove a indicação do presidente.

Há alguns motivos para toda essa resistência, mas o principal deles liga-se à motivação de Bolsonaro para a indicação de André Mendonça: a nomeação do indicado cumpriria a sua promessa de colocar no Supremo Tribunal Federal um ministro “terrivelmente evangélico” e, de preferência, pastor. Ao que parece, para o presidente, a citada característica – relacionada ao perfil religioso do indicado – está acima do preenchimento do notável saber jurídico (artigo 101 da Constituição). Aqui vale destacar que, embora a expressão “notável saber jurídico” corresponda a conceito indeterminado, dela é possível extrair alguma orientação: não basta o saber jurídico; não se faz suficiente a qualificação técnica; é preciso mais. O adicional da notabilidade consiste no reconhecimento de toda a sociedade, em especial da comunidade jurídica, acerca da robustez curricular e da diferenciada trajetória profissional da pessoa indicada – daí que, em tese, ainda que presente divergência de caráter ideológico (liberal x conservador, por exemplo), o notável saber jurídico deveria tratar-se de consenso mínimo.

O fato é que, diante de toda a celeuma em torno da indicação de André Mendonça, emergiram – de modo mais agudo – questionamentos em relação ao modelo adotado pela Constituição Federal de 1988 para o preenchimento das vagas de ministro do Supremo Tribunal Federal. Hoje, em síntese, primeiro há a indicação, pelo presidente da República, de nome que preencha os requisitos constitucionais (mais de 35 anos; brasileiro nato; detentor de notório saber jurídico e reputação ilibada); depois, essa indicação passa pelo crivo do Senado Federal (onde haverá a sabatina do candidato, emissão de parecer pela CCJ e, posteriormente, a votação pelo plenário da casa legislativa); e, por último, caso aprovada a indicação pela maioria absoluta do Senado Federal, o presidente da República faz a nomeação do indicado.

Há quem argumente no sentido de que o forte componente político presente no processo de escolha dos ministros do STF – supostamente – acaba por contaminar a corte, que ficaria suscetível às contingências da esfera política. Bem por isso sugerem, por exemplo, a formação de listas, tal como ocorre em outros tribunais e com integrantes de carreiras específicas (a exemplo da magistratura). Argumentam, ainda, que o modelo posto confere demasiado poder ao presidente da República – que, a depender da quantidade de indicações coincidentes com o mandato, passa a contar com significativa influência na formação das decisões.

O problema não reside no modelo previsto na Constituição de 1988 para escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Ao revés: é preciso colocar a maquinaria constitucional para funcionar.

O argumento parece equivocado. Em primeiro lugar, porquanto a natureza do Supremo Tribunal Federal não corresponde à mesma dos demais tribunais. Ainda que o Supremo (também) desempenhe a função de instância recursal, essa competência não afasta seu papel de corte constitucional, eis que o nosso desenho institucional confere ao Supremo a atribuição do sentido da Constituição, que possui, a um só tempo, natureza jurídica e política. Daí que é natural o caráter também político da escolha dos ministros do STF – até porque, se é certo que a própria Constituição autoriza e legitima que esse tribunal decida sobre questões sensíveis afetas à política (em sentido amplo), não menos certo é o fato de que é justamente o componente político que garante a pluralidade de ideias nesse ambiente e, ainda, a presença dos mais diversos valores sociais.

De outro lado, não parece prosperar o argumento ligado ao excesso de poder do presidente da República. A uma, porque, embora essa autoridade tenha o poder de indicar o nome que entenda mais conveniente para preencher a vaga, esse poder é compartilhado com o Legislativo, que precisa necessariamente aprovar a indicação. A duas, porque os contornos jurídicos atinentes à escolha do nome devem ser considerados. É dizer: há limites ao campo de discricionariedade do presidente da República. Quais? Justamente a observância dos requisitos constitucionais. Na hipótese de controvérsia acerca dos critérios do notável saber jurídico e reputação ilibada, a quem compete a imposição de limite à escolha? Ao Senado Federal, que deverá rejeitar o nome.

O problema não reside no modelo previsto na Constituição de 1988 para escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Ao revés: é preciso colocar a maquinaria constitucional para funcionar. O Senado deve fazer jus à relevante missão que lhe foi dada: escrutinar o candidato. A conferir se o Senado cumprirá seu compromisso com a Constituição.

Ana Carolina de Camargo Clève, advogada, é presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral.

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