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A legalização não diminuirá oconsumo da maconha: apenas reduziráos impeditivos para isso, pois acabarácom os freios inibitórios da práticade uma conduta ilegal

A descriminalização da posse de maconha para o consumo pessoal é tema que gera polêmica, com opiniões diversas, mas não há qualquer argumento capaz de me convencer, como promotora de Justiça, cidadã e mãe, que isso irá trazer algum benefício efetivo à sociedade.

Os que pretendem a legalização sugerem que a solução seria enfocar o consumo de drogas como questão de saúde pública e em trabalhar na redução do uso. Essa visão, salvo engano, está focada apenas na preocupação com os usuários da droga e, portanto, com um viés de recuperação. Entretanto, há de se preservar o restante da população, constituída por não-usuários, em especial os jovens e adolescentes, que podem ser influenciados a experimentar a droga a partir do momento da liberação da sua posse para consumo pessoal.

Se o direito penal não prever mais a conduta como criminosa, abre-se, indubitavelmente, um raciocínio, mesmo que não desejado pelos que são favoráveis a essa legalização, de que a posse não é mais reprovável, passando a equivocada mensagem de que fazer uso de um cigarro de maconha não traria consequências danosas – e é inadmissível a banalização dos efeitos prejudiciais do uso dessa droga, que leva os viciados à autoexclusão da sociedade e à destruição de sua saúde. Isso sem citar o rompimento de seus laços afetivos, da sua vida profissional e da dor que provoca aos familiares.

Segundo parecer técnico-científico sobre efeitos e uso da maconha, emitido pela Coordenadoria Estadual Antidrogas – Cead, a psicóloga Sonia Alice Felde Maia alerta que "há uma associação consistente entre o uso de cannabis e o primeiro surto psicótico em indivíduos jovens. O uso de cannabis aumenta o risco de incidência de esquizofrenia em indivíduos com e sem outros fatores predisponentes e leva a um pior prognóstico para aqueles indivíduos com clara vulnerabilidade para um transtorno psicótico. Há evidências de associação entre o uso frequente de cannabis e diagnóstico de depressão."

Assim, tratar o consumo apenas como tema de saúde, é menosprezar a realidade de que o Estado somente poderá intervir nessa seara se o usuário assim o desejar – como hoje ocorre com fumantes, por exemplo. Com a proposta de legalização, se a pessoa não quiser, não haverá a força coercitiva da justiça criminal a impor-lhe consequências pela posse, ainda que esteja tendo problemas relacionados diretamente ao uso da droga.

O atual art.28, da Lei de Drogas, ao prever como crime a aquisição ou guarda da droga para uso pessoal (não se pune o uso, mas a sua posse) já não prevê mais a pena privativa de liberdade como a anterior Lei 6.368/76, mas a imposição de prestação de serviço à comunidade e medidas educativas, que poderiam ser aperfeiçoadas pelo Estado, para uma melhor efetividade.

Há também a defesa da descriminalização da posse para uso pessoal de maconha sob a assertiva de que o dano que esta erva causa é equivalente ao álcool. Este argumento igualmente não prospera, pois é notório que o álcool atualmente é ingerido de forma absolutamente abusiva pelos jovens, para desespero de pais e alerta de médicos e, portanto, a forma com que se está conduzindo a questão do álcool no país não se revela como modelo apto a solucionar a problemática do consumo da maconha.

Importante também abrir espaço para lembrar que a descriminalização não é desejada pela população curitibana, consoante se infere do levantamento de opinião divulgado pela Gazeta do Povo, noticiando que 80% dos curitibanos não aprova a legalização da posse da maconha para uso pessoal.

Conclui-se, pois, que a legalização não diminuirá o consumo da maconha: apenas reduzirá os impeditivos para o seu consumo, pois acabará com os freios inibitórios da prática de uma conduta ilegal. Se por um lado é correto afirmar que apenas a proibição não impede a conduta criminosa; por outro, vale lembrar que o recente tratamento legal mais rigoroso em relação aos motoristas que dirigem sob influência de álcool representou uma redução sensível nas mortes no trânsito em todo o país.

Rosângela Gaspari é promotora de Justiça do Ministério Público do Paraná. Trabalha no Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Criminais, do Júri e de Execuções Penais.

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