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Com as exigências da Fifa ao governo brasileiro para a realização da Copa e desde as manifestações iniciadas em junho do ano passado, as redes sociais e quase toda mobilização realizada atualmente adotaram o slogan "queremos padrão Fifa": para a educação, a saúde, o transporte etc. É como se o padrão Fifa fosse sinônimo de recursos empregados com seriedade, qualidade dos serviços e bens públicos.

Referenciar o padrão Fifa dessa forma é subverter o sentido desse padrão e dar-lhe significado oposto. Padrão Fifa significa uma institucionalidade marcada pelos meandros do poder dos grandes interesses financeiros e corporações, de conexões e ganhos ilícitos, corrupção do privado e do público.

Padrão Fifa significa a ingerência sobre a soberania de Estados e nações, com regras que violam cultura, preceitos, normas, valores de diferentes sociedades. É o interesse econômico subvertendo um encontro entre nações, por meio da prática do esporte mágico que é o futebol, transtornando a oportunidade de um povo mostrar a outros seu jeito de ser feliz e de lutar, mesmo com suas contradições e mazelas.

Padrão Fifa significa transformar esse lugar de encontro, os estádios, em um espaço segregador e elitizado. Um formato contrário ao encontro, com cadeirinhas "bem comportadas", que destroem a nossa cultura de curtir a mágica do futebol em pé, na galera! Arena, esse infeliz nome, recupera a ideia da guerra, do sangue que corre pelas garras dos leões, da diversão oriunda do sofrimento e da humilhação do outro.

Padrão Fifa significa excluir, pelos preços exorbitantes dos ingressos das "arenas", a galera que sempre lotou os estádios. A alegria de ir ao estádio transformada em um negócio que exclui a maioria.

Padrão Fifa significa colocar para fora dos estádios todos aqueles que faziam do picolé, da pipoca, da água, do amendoim, da bandeira o seu trabalho a serviço do lazer e da confraternização, do sofrimento e da alegria.

Padrão Fifa significa concordar com a mercantilização do futebol como máquina de fazer dinheiro (ou de lavá-lo), na qual elenco, comissão técnica e os times viram máquinas do marketing de consumo a serviço da desigualdade. É recorrente o salário de todos os jogadores de um time ser menor que o de um dos jogadores do time adversário. O ganho mensal de um craque é maior que o salário de toda uma vida de um trabalhador. Padrão Fifa é desigualdade sem fim!

Padrão Fifa significa construir uma estética nos estádios desconectada da cultura e das condições econômicas da sociedade, que não permite o acesso de todos, que não é passível de universalização, que não leva ao encontro do outro. Padrão Fifa elimina o valor das diferenças para promover a iniquidade da desigualdade.

Seríamos mais felizes com o futebol sem o padrão Fifa!

Esse padrão não é bom nem para a escola, nem para a saúde, nem para o transporte coletivo, nem para nada!

Precisamos de um padrão que seja a nossa cara, com qualidade para todos, sem ser suntuoso e muito menos segregador. Um padrão que traga igualdade e qualidade como valores manifestos nos bens e serviços públicos; que nos leve ao encontro, favoreça os relacionamentos, permita as diferenças -- não desigualdade. Um padrão que nos faça criativos para superar as iniquidades e que leve à descoberta de que a alegria é o contentamento compartilhado com outros e que cada espaço deve ser construído com essa intencionalidade.

No padrão Fifa, o outro não existe. O padrão Fifa destrói a utopia de um mundo melhor.

A Copa é diversão, hora de torcer pelo Brasil, pelo bom futebol, aproveitar o espetáculo e o encanto de cada jogo. Hora de esquecer e ignorar a Fifa. Depois, é continuar lutando para avançar no legado da Copa!

Clemente Ganz Lúcio, sociólogo, é diretor técnico do Dieese e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES).

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