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Nos anos 80, Londrina teve o melhor prefeito da sua história, o dr. Wilson Moreira. Tendo assumido a prefeitura com dívidas, déficits e falta de credibilidade, o dr. Wilson cunhou uma expressão como slogan da sua gestão: "Não há crise que resista ao trabalho". Essa frase era o mote de todas as campanhas e a diretriz do governo. Eu era secretário do Planejamento e testemunhei, por dentro, o que foi o trabalho de reconstrução das finanças municipais, em uma gestão marcada pela austeridade, pela honestidade e pela recuperação da infraestrutura da cidade.

Recentemente, vi essa frase em um anúncio oficial, como se fosse criação nova de algum publicitário do governo. Mas não é. O crédito deve ser dado ao dr. Wilson Moreira, figura ímpar pela competência e honestidade, falecido no começo de 2008. Entretanto, essa expressão merece uma reflexão sobre o que se pode entender por "crise" e por "trabalho". "Crise" pode ser definida como uma ruptura da normalidade, em que as coisas dão errado e os resultados tornam-se negativos com efeitos maléficos para a sociedade. No caso da economia, a crise é vista de forma clara: queda de produção, desemprego, inflação, desespero, redução do padrão de vida, enfim, piora do quadro social.

Já o trabalho exige uma definição precisa. Vamos imaginar que estejamos vendo dois homens, cada um com uma pá cavando um buraco. A única informação que temos é que dois homens estão empregando sua força física e suas faculdades mentais para executar uma tarefa. Para saber se ambos estão trabalhando, no sentido econômico do termo, mais informações são necessárias. Digamos que um dos homens esteja cavando um buraco destinado a ser uma cova para o enterro de alguém falecido, e que o segundo homem é um preso que foi obrigado a abrir buracos o dia todo apenas como castigo pelo seu crime. Temos aí uma diferença básica: o primeiro é um trabalhador que, ao cavar o local para o enterro de um ser humano que encerrou sua vida, está fazendo algo útil para a sociedade. O segundo nada está fazendo de útil para quem quer que seja.

Por essa história simples, chegamos à definição de que mais gosto: "Trabalho é toda ocupação útil". A sutil diferença entre os dois homens está na palavra "útil". Ambos estão se dedicando a uma ocupação, que pode ser definida como "o emprego das forças físicas e mentais para a execução de alguma tarefa". Porém, somente um está executando uma tarefa "útil". O prisioneiro está apenas cumprindo um castigo e seus buracos não se destinam a satisfazer qualquer necessidade humana. Então, podemos dizer que a crise exige trabalho sim, mas a questão a responder é: que tipo de trabalho?

Será que os quase 8 mil vereadores que o Congresso Nacional quer acrescentar ao Legislativo brasileiro vão produzir alguma coisa útil? O trabalho deles seria capaz de contribuir para o fim da crise? Todos sabemos que não. De início, vale dizer que o processo de legislar e de fiscalizar o Executivo municipal em nada vai ser melhorado pelo fato do país ter "ganho" mais 8 mil vereadores. Segundo, ainda que esses novos vereadores trabalhem com afinco, talvez o resultado não seja muito diferente daquele obtido com os buracos cavados pelo prisioneiro. Mas a coisa não para aí. Em verdade, isso pode ser pior do que a ocupação do preso castigado, já que este não é pago para executar sua tarefa-castigo. Os vereadores serão pagos com dinheiro retirado de outros serviços públicos, pois o orçamento das prefeituras é limitado.

O fato é que a proposta de aumentar o número de vereadores é um acinte, já que em tempos de crise não há nada mais inútil e oneroso para a sociedade do que aumentar o número de membros do Legislativo brasileiro. Não há crise que resista ao trabalho é um slogan que pode ser verdadeiro, desde que estejamos falando de um trabalho capaz de satisfazer alguma necessidade da população. Aliás, em economia, o conceito de "utilidade" é exatamente esse: a capacidade que tem um bem ou serviço de satisfazer alguma necessidade das pessoas, segundo o julgamento destas, e não segundo o julgamento de quem produz.

José Pio Martins é economista e vice-reitor da Universidade Positivo.

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