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 | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Numa investigação criminal, a maior dificuldade é conseguir traduzir as evidências e provas de um crime para a linguagem jurídica. Todos podem ver um corpo e saber que ele foi assassinado: a dificuldade é provar quem, como, onde, quando e, inclusive, por quê. O crime resta óbvio: falta saber qual foi, se houve mais crimes envolvidos (sequestro, tortura, formação de quadrilha, estupro etc). Mesmo com o criminoso identificado, o desafio de entender o que aconteceu é o que determina seu julgamento.

Saber qual o crime, o que está em discussão, é simplesmente o ponto central de uma investigação, justamente o que se quer saber. No caso das “ocupações” das escolas, que seguiram com força mesmo após atrapalharem tantos alunos no Enem e só agora parecem diminuir, o erro de investigação já se dá ao se narrar o fenômeno: dos invasores – nem todos alunos – à imprensa, todos falam em “ocupações”, como se as escolas estivessem mesmo sendo “ocupadas”. As escolas estavam sendo invadidas.

Uma escola é ocupada quando estudantes ocupam seus bancos, sobretudo com a função de estudar

O crime é de invasão. Uma ocupação não é crime. Se o vocábulo “ocupação” passa a ser usado para descrever o fenômeno por toda uma comunidade de falantes, uma atitude criminosa, que prejudica a maioria da população e é reprovada por toda essa maioria, não consegue ser expressa nem mesmo em termos banais, que dirá jurídicos, para que a conduta tenha algum efeito negativo.

Uma escola é ocupada quando estudantes ocupam seus bancos, sobretudo com a função de estudar. Ocupa-se seguindo um ordenamento, respeitando-se normas não escritas e um fim determinado. Finda a aula, o estudante desocupa o seu assento para que outro o ocupe em outra aula.

Uma escola é invadida quando um grupo estranho a seu corpo de frequentadores toma a escola à força, com objetivos completamente alheios ao seu fim, usando de violência para impedir a presença alheia – sejam professores, alunos e funcionários ou outras pessoas –, sequestrando-a para propósitos particulares do grupo que a invade, à revelia e prejuízo da sociedade, que arca pela escola, e daqueles que ela concordou em custear para aprimorar seu destino.

Se a imprensa acata o nome fantasia da ação dos invasores, furtando-se também ao seu fim esperado de ser desconfiada e investigativa, explicando a seus leitores o que subjaz por detrás das aparências, a imprensa inverte o seu papel de investigadora para ser replicadora de discursos. Em vez de quarto poder, se torna órgão de propaganda de quem está ou quer algum poder, inclusive por meios ilícitos.

Tampouco há “direito à greve” de “estudantes”. Greve é se recusar a trabalhar. Alunos obtêm um benefício. Podem, sim, fazer um boicote. Mas não há, na Constituição, direito de forçar outra pessoa a aderir a um boicote.

As invasões permanecem como a última bala de um discurso de esquerda que só convence os mais afastados das preocupações da vida real (incluindo Enem e faculdade), julgando-se representar o povo ou coletivos como “os estudantes” ou “os pobres” quanto mais se afastam daqueles que podem perder um ano de suas vidas por interesses político-partidários individuais, justamente forçando a sociedade, com violência, a aceitar suas demandas impopulares no muque.

Flavio Morgenstern é analista político, criador do portal Senso Incomum e autor de Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs.
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