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O romance brasileiro de Ignácio de Loyola Brandão intitulado Não Verás País Nenhum já não pode ser lido a partir de uma perspectiva de pura ficção. É instigante como sua descrição sobre a vida da população em nosso país algumas décadas à frente apresenta particularidades que poderiam ser comparadas com a vida dos paulistas em meados de 2014. Praticamente sem alternativas em relação ao abastecimento de água, de uma hora para outra, um gigantesco contingente de pessoas se viu dentro de uma condição de vida limitada a ponto de impor perspectivas de êxodo. De pessoas e de negócios.

São Paulo tem uma estrutura voltada à conservação da biodiversidade mais evoluída que a do Paraná

Boa parte do estado de São Paulo foi atingido por consequências previsíveis, a despeito do que todos os governantes evitam confirmar. São o resultado da sistemática degradação das áreas de mananciais que estão localizadas no entorno da cidade de São Paulo e de onde é captada mais de 60% da água que supre as necessidades de todo o estado. Ou seja, as áreas que deveriam ter sido mantidas rigorosamente preservadas para servir de mananciais confiáveis estão em grande parte invadidos por avanços urbanos descontrolados ou destruídos para atividades agropastoris.

Mesmo na condição de desgraça, São Paulo tem uma estrutura voltada à conservação da biodiversidade muitas vezes mais evoluída do que a condição do Paraná. Pesquisas do Programa Biota provém mapas muito precisos sobre a distribuição das áreas prioritárias para a conservação no estado. Avançam propostas de expansão estratégica de unidades de conservação e uma estrutura de gestão de recursos de compensação obriga investimentos especialmente para essa demanda, evitando os costumeiros desvios. E, mesmo assim, a avaliação sobre o desempenho de São Paulo é extremamente crítica de parte de especialistas, e demanda avanços em escala ainda não aportados pelo poder público.

Imagine o que se dizer de nossa condição regional, fundamentada por uma blindagem ruralista imposta à frágil gestão do governo estadual, que impede até que o Batalhão da Polícia Ambiental tenha a possibilidade de fiscalizar o território paranaense para inibir ações de caça e desmatamento. Some-se a isso o aniquilamento de estruturas como o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), hoje focado em promover licenciamentos ágeis e muitas vezes discutíveis. No IAP não há ingresso de capital humano há mais de 20 anos, embora suas demandas operacionais tenham crescido exponencialmente.

Além de sermos vizinhos próximos de São Paulo, devemos ter consciência de que fazemos menos do que eles no sentido de resguardar nossos interesses de atendimento básico da sociedade frente aos serviços ambientais fundamentais, como é o caso da água. A certeza desta afirmação está numa administração inconsequente e sem personalidade, que perdeu sua condição de compromisso frente aos interesses maiores da sociedade, a partir do atendimento lascivo a pressões setoriais que nunca tiveram qualquer preocupação com o futuro de todos nós.

Com um barulho destes, é possível que o livro de Loyola Brandão seja lido com interesse por muito mais pessoas daqui para frente. Em especial por nós paranaenses, abandonados à própria sorte e sem condição de enfrentar a gestão de nossos recursos naturais pela mediocridade em que nos afundamos.

Clóvis Borges, é diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental.
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