• Carregando...
 | Robson Vilalba/Thapcom
| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

Em 2015, o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, reduziu a velocidade das marginais sob a justificativa de que isso diminuiria os acidentes de trânsito. Um ano depois, jornalistas queriam ver o real impacto da medida. Com a rapidez que os editoriais de hoje exigem, alguns jornalistas compararam os acidentes de trânsito antes e depois da mudança das velocidades. Um pouco de pesquisa nos dados da CET mostrou que, em 2016, a quantidade de vítimas foi reduzida em 38%. Mérito de Haddad. Toda redução do número de mortes seria, portanto, uma vitória de sua gestão. A própria prefeitura fez um estudo, disponível na internet, nestes moldes.

Por trás dessa crença dos jornalistas havia uma lógica simples: se um evento Y acontece depois da ação X, então a “culpa” é de X. A ideia tem apelo lógico, mas é incompleta. A verdade é que não é possível chegar a conclusão alguma apenas com este número. Avaliar políticas públicas é um pouco mais complexo do que isso...

O problema desse raciocínio é inferir causalidade a partir, e tão somente, da sequência temporal de eventos. Pense no caso de um jogo de futebol. Se um técnico troca o jogador, e logo o seu time marca um gol, ele é chamado de gênio. Porém, se o time perde após a substituição, o “gênio” será sacrificado. Mesmo que a substituição não tenha nada a ver com o gol...

O que pode passar despercebido é que – assim como qualquer variável socioeconômica – o número de acidentes no trânsito depende de diversos fatores. Todos eles operando ao mesmo tempo em que a mudança na velocidade entrou em vigor. Depende, por exemplo, (a) das condições de fiscalização no trânsito, (b) das condições do asfalto e sinalização, (c) da atividade econômica, entre outros.

Se um evento Y acontece depois da ação X, então a “culpa” é de X. A ideia tem apelo lógico, mas é incompleta

Em 2015, o país passava pela maior crise econômica da história. E quando a economia está em recessão, há menos carros nas estradas. Parte da redução do número de acidentes, portanto, pode ter sido causada simplesmente pela menor circulação de veículos.

Para considerar este caso, uma maneira mais sofisticada de verificar o impacto da medida de Haddad, é comparar São Paulo com outra cidade do Brasil que não tenha tido redução da velocidade, antes e depois da redução de velocidade.

Uma rápida pesquisa mostra que em Salvador – onde não houve mudança de velocidade – houve uma redução das mortes no trânsito em 15%. Ou seja, a crise econômica – ou qualquer outro fator que não tem a ver com a mudança da velocidade – já vinha impactando os acidentes em outras cidades do país.

Fazendo, portanto, todas essas considerações para avaliar a política pública de Haddad, um trabalho da FGV conclui que “Os resultados apurados apontam que a redução da velocidade máxima em São Paulo foi neutra em relação aos acidentes”. Surpreendente, mas para isso servem as avaliações de políticas públicas.

Leia também: Expectativas e propostas para a economia brasileira (artigo de Luciano Nakabashi, publicado em 21 de fevereiro de 2017)

Opinião da Gazeta: Lamentar ou celebrar a prisão de Lula? (editorial de 6 de abril de 2018)

Deixemos Haddad de lado. Não é raro ouvir que Lula e o Partido dos Trabalhadores foram os grandes responsáveis por tirarem milhões da pobreza, nos 8 anos de seu governo. Em 2003, 12% da população brasileira vivia abaixo da linha de pobreza (menos de US$ 1,9 dólares ao dia, pouco mais de R$ 6). Em 2010, este percentual era de 6%. “A pobreza reduziu-se depois do governo Lula, logo ele é o responsável por tirar milhões da pobreza”, somos tentados a concluir. É a mesma lógica dos que afirmaram que a redução de acidentes fatais, observada em São Paulo um ano depois da medida de Haddad, era mérito do prefeito.

Nem sempre o que acontece à nossa volta, porém, é responsabilidade direta dos nossos governantes. Tanto para o mal, quanto para o bem! Muitos dos fenômenos socioeconômicos que acontecem à nossa volta têm múltiplas causas. Entre eles, as intervenções que nossos políticos promovem em nossas vidas, mas também várias outras causas que nada tem a ver com as ações do governo de plantão.

Olhando os dados mais a fundo, aparecem algumas surpresas sobre a situação de pobreza no Brasil. Primeiramente, a pobreza não se reduziu apenas no Brasil, mas foi uma tendência mundial. Ao longo dos últimos séculos, os sistemas de mercados vêm tendo enorme sucesso no combate à miséria. Em 1820, mais de 80% das pessoas viviam na miséria, hoje, apenas 11% estão nas mesmas condições. Uma redução significativa no mundo todo.

Vamos ver o que aconteceu separadamente nos continentes entre 2003 e 2010. No início do governo Lula em 2003, 13% da população vivia abaixo da linha de pobreza na América Latina. Em 2010, este número era de 5%. No leste asiático foi onde ocorreu a maior redução. A região saiu de 30% da população em condições de pobreza, em 2003, para apenas 4% em 2010, em grande parte devido ao crescimento econômico da Índia e da China.

Os dados sugerem que outros fatores estavam operando e contribuindo para a redução da pobreza no mundo todo

Longe, portanto, das emoções partidárias, os dados sugerem que outros fatores estavam operando e contribuindo para a redução da pobreza no mundo todo.

De fato. Entre 2000 e 2010, o mundo passava por um período de abundância: um forte crescimento puxado em grande parte pela China e pelos Estados Unidos. Os dois países somados contribuem com mais de 50% do crescimento mundial. A forte economia chinesa impulsionou diversas economias – principalmente a brasileira – que exportavam produtos para este país.

Em segundo lugar, diversos estudos mostram que a criação de empregos (proveniente desse forte crescimento sino-americano) reduziu a pobreza no Brasil ao longo dos anos 2000. O resultado é que o Brasil surfou essa grande onda, mas não fez nada de diferente do que já estava acontecendo no mundo. Medidas implementadas, em especial programas de transferência de renda, sob o governo Lula, ajudaram a reduzir a pobreza durante seu governo, mas este não é o único responsável por isso. Talvez sequer o mais importante...

Leonardo de Siqueira Lima é economista e doutorando em Economia pelo Insper.
Sérgio Almeida
é professor de Economia da FEA-USP e PhD em Economia pela University of Nottingham na Inglaterra.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]