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A opção pela imobilidade só aumenta as possibilidades dos movimentos de surpresa. O atual governo de Israel está amarrado à intransigência, esquecido de que no levante tudo é possível

Muamar Kadafi (ou Qadafi, não importa a grafia) é o mais encarniçado inimigo de Israel no mundo árabe depois do iraniano Ahmadinejad. A aparente derrota de um feroz adversário, mesmo situado a confortável distância de suas fronteiras, não pode ser considerada irrelevante. O governo de Benjamin Netanyahu não se mexe nem dá sinais de que é capaz de mexer-se.

Desde 1993, quando começaram as negociações em Oslo patrocinadas por Bill Clinton, dizia-se em Israel que os palestinos não perdem uma oportunidade de perder oportunidades. Agora, ironicamente, desde que o tufão começou a revirar o Oriente Médio de pernas para o ar, quem está deixando escapar preciosas aberturas e chances para contornar impasses são os espirituosos israelenses.

A coligação da direita com os religiosos que mantém Netanyahu no poder não teve a sensibilidade para fazer a leitura correta da mensagem que veio da Tunísia, apavorou-se quando viu Hosni Mubarak despencar, despertou da paralisia quando o marechal Tantawi prometeu respeitar os acordos internacionais e, em seguida, mergulhou num estado cataléptico quando o clima de revolta instalou-se no Bahrein, Iêmen e logo incendiou a Líbia.

Depois de desistir de financiar o terrorismo, Kadafi passou a operar ativamente nos bastidores da ONU para deslegitimar a existência do Estado de Israel colocando-o no banco dos réus na esfera dos Direitos Humanos. Sua derradeira façanha pode ter sido a moção aprovada por 14 dos 15 membros do Conselho de Segurança (e vetada pelos americanos) considerando ilegais os assentamentos nos territórios ocupados na Cisjordânia.

No momento em que o tirano líbio aparece sem disfarces aos olhos do mundo como um alucinado que importa mercenários estrangeiros para massacrar os seus cidadãos, Israel não consegue emitir qualquer sinal mais convincente de que está disposto a rever a sua insensata e desumana política nos territórios ocupados.

Esta é a hora de remover um dos contenciosos potencialmente mais explosivos do Oriente Médio que não apenas coloca Israel na contramão do inesperado impulso libertário do mundo árabe como também prejudica diretamente todos os esforços de Barack Obama para livrar a sua política externa do penoso legado do antecessor.

A opção pela imobilidade só aumenta as possibilidades dos movimentos de surpresa. O atual governo de Israel está amarrado à intransigência, esquecido de que no levante tudo é possível. Na Cisjordânia também há uma classe média jovem, informada, secular, mais politizada do que a egípcia, beneficiada pelo convívio com os pacifistas israelenses e, sobretudo, também conectada nas novas mídias. Talvez não ouse insurgir-se contra Israel, mas pode levantar-se contra a enfraquecida Autoridade Palestina, aproximar-se dos seus pares na Jordânia ou até do Hamas em Gaza se este abdicar do seu fundamentalismo tal como o fez agora no Egito a Irmandade Islâmica.

Netanyahu e seus parceiros não têm qualquer compromisso histórico com a Partilha da Palestina decidida pela ONU em 1947 que validou a criação do Estado de Israel. A endiabrada minoria da direita não admitia um Estado árabe e os ortodoxos eram contra um Estado judeu que não fosse proclamado pelo Messias. Apenas os sionistas de esquerda – hoje minoritários – defendiam a partilha (os mais extremados preconizavam um estado binacional). Porém as comunidades judaicas espalhadas pelo mundo, sobretudo a americana, tiveram a sabedoria de cerrar fileiras em torno do projeto da Partilha, aprovado em memorável sessão presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha.

Em situações voláteis como a de agora convém não perder de vista as referências. Nem desperdiçar oportunidades. O que não significa oportunismo. Mesmo sem endossar o Marxismo, convém rever o que disse o judeu Karl Marx: tudo o que é sólido desmancha no ar.

Alberto Dines é jornalista.

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